Oi, gente. Após vários
dias sem postar, devido ao estudo para a 2ª fase da OAB, estou de volta para
dar continuidade a Série Vizinhos.
Dessa vez mais do que
baseada em fatos reais a história é verídica e ocorreu no muro do fundo da
minha humilde residência.
Meu vizinho, em razão da
inconstância no fornecimento de água, resolveu instalar uma caixa d’água como
alternativa para os dias de “estiagem”, construindo uma laje como base para a
mesma.
O problema é que,
provavelmente por causa do processo de impeachment
da Dilma, do zika vírus ou da queda
da bolsa de Xangai, ele resolveu utilizar o muro do fundo da minha casa como
sustentáculo.
Daí, não muito tempo
depois, após instalada a caixa d’água, percebemos que os tijolos estavam
ficando molhados e o musgo já começara a se espalhar pela parede.
Com uma pequena espiada
descobrimos que a culpa não era da obra de Niemeyer (a laje com a caixa
d’água), mas de um tanque que fora construído, também utilizando o muro como
base.
Com esse fato surgiu a
ideia para este terceiro post da
Série: Vizinhos falar sobre as divisórias, tais como muros e cercas e algumas
situações peculiares que podem ocorrer na prática, mas que passam longe dos
livros de Stolze* e das aulas de Direito Civil da faculdade.
Aproveito para agradeçer
a todos os ávidos leitores do JusBrasil, especialmente aqueles que gastaram um
pouco de seu precioso tempo para agraciar meus textos com suas contribuições,
elogios, perguntas e incentivos.
Mas, chega de papo e
vamos ao que interessa:
1)
O que fazer se o vizinho começa a construir o que quer que seja usando o muro?
A primeira pergunta a ser
feita é: de quem é o muro?
Já expliquei que de
acordo com o Código Civil os marcos divisórios, o que inclui cercas, muros,
valas, sebes, são presumidos pertencentes a ambos em condomínio (art. 1.297,
§1º, do Código Civil).
Mas esta presunção é
relativa, ou seja, admite prova em contrário, de forma que o dono do muro é
aquele que o construiu.
Se, de fato, houver
condomínio, o vizinho só poderá construir usando o muro como base mediante sua
autorização, visto que é tão dono quanto ele, a menos, é claro, que o muro
pertença unicamente ao seu vizinho.
No caso concreto, como
foi minha família que construiu o muro, o vizinho não poderia edificar nada
utilizando-o como base sem nossa concordância, ainda que do lado de lá, como
foi o tanque.
Nos outros posts falei sobre como resolver via
negociação, que é mais rápida, barata, efetiva e promove a paz, porém, quero aproveitar
para dar destaque às medidas judiciais cabíveis nessa situação.
Se a obra ainda não está
terminada, a ação a ser utilizada até março é a nunciação de obra nova (art.
934, I, do CPC/73), que tem por objetivo embargar a obra em andamento, após com
o Novo Código de Processo Civil em vigor, esse procedimento especial desaparecerá,
passando a caber uma ação ordinária com tutela de urgência.
Se a obra já está
concluída não cabe mais essa ação, e você poderá utilizar uma das possessórias (manutenção/reintegração
de posse), conforme o caso, para desfazer o que já foi feito.
O ideal, obviamente, é
resolver tudo com uma conversa e extrajudicialmente, mas se nada der certo, então
o Judiciário é o jeito.
2)
E se os filhos do vizinho ficarem brincando em cima do muro e bisbilhotando o
lado de cá?
Bom, isso é algo muito
chato, porque como todo ser humano normal você às vezes quer dançar e cantar na
frente do espelho usando a escova de cabelo como microfone.
Mas como fazer isso se o
filho do vizinho estiver olhando?
Nossa Constituição em seu
art. 5º, X, protege a intimidade e a vida privada, ou seja, o filho do vizinho
não pode dar uma de Pedro Bial e achar que a sua casa é o Big Brother.
Sendo os pais os
responsáveis pela educação dos filhos (art. 229 da Constituição Federal),
caberá a eles impor limites e regras (embora isso seja raro hoje em dia), e
você como vizinho compreensivo precisa de modo calmo e claro explicar ao seu
querido vizinho que o filho dele está atrapalhando seus ensaios para o The Voice.
Nessa situação que
envolve menores de idade cabem os mesmos conselhos do post nº 1 (O filho do vizinho arranhou meu carro. E agora?).
Em caso de ser necessária
a demanda judicial, caberá uma ação de obrigação de não fazer para que o juiz
estipule uma multa caso os meninos resolvam dar uma espiadinha novamente.
3)
Se eles deixarem cair brinquedos no meu terreno, vale a mesma regra da fruta do
segundo post?
Claro que não né
espertinho!
A manga verde pra comer
com sal até tudo bem, mas querer ficar com os carrinhos da hot wheels das crianças é demais.
Como eu afirmei em um dos
comentários ao post nº 2 (O frutoda discórdia – A árvore do vizinho está invadindo o meu terreno. E agora?),
a queda do fruto de uma árvore no terreno particular vizinho constitui um modo
excepcional de aquisição da propriedade (art. 1.284 do Código Civil).
Assim, os brinquedos que
caírem no seu terreno devem ser devolvidos para os donos.
É claro que se eles
acharem que seu quintal é a Sala Precisa**, você terá que ter uma séria
conversa com os pais desses meninos e em último caso ajuizar uma ação de
obrigação de não fazer.
4)
E se o muro cair por causa das excentricidades do vizinho?
Se o muro cair, faça como
fizeram em Berlim, comemore, afinal é uma barreira a menos entre dois seres humanos:-).
Brincadeiras à parte,
isso é perigoso porque pessoas podem se machucar.
Em qualquer caso, tanto
na simples queda do muro, quanto na hipótese de alguém se machucar, caberá ao
responsável o dever de indenizar todos os danos causados (art. 927 do Código
Civil).
Se chegar neste ponto,
suponho que conversas não deram certo, então acho mais prudente deixar nas mãos
de um advogado de sua confiança que trabalhe na área.
5)
Existe um limite legal de distância em relação ao muro para o plantio de
árvores?
Na legislação cível federal
não. Talvez exista nas regras de Direito Administrativo e Ambiental do lugar
que você mora.
Mas, então posso plantar
os jardins suspensos da Babilônia no meu quintal sem nem me importar com o vizinho?
Não é bem assim, observe
o item anterior e veja que você pode ser obrigado a pagar uma indenização que
provavelmente será alta, afinal construções sempre saem mais caro do que
esperamos.
6)
E na ausência de muro? Posso simplesmente fazer um?
Sim. Você pode. O art.
1297 do Código Civil assegura o direito de cercar, murar, valar ou tapar de
qualquer modo o seu prédio. Mas de preferência só faça isso se a divisória do
terreno for clara, porque se não for haverá um problema de demarcação, que não tratarei
neste post.
7) Se antes tinha só uma cerca e agora tive
que fazer um muro porque o vizinho comprou um rottweiler, quem paga essa conta?
Ele, é claro. Afinal foi
quem provocou a necessidade de modificar a constituição do marco divisório. A
previsão legal para isso se encontra no art. 1297, §3º, do Código Civil.
________
Antes que me perguntem
nos comentários sobre o fim da história, já me adianto para dizer que não teve
fim.
O vizinho parece ter
percebido o vazamento do tanque antes que fizéssemos qualquer reclamação e o consertou
de modo que o musgo parou de crescer, e como a obra de Niemeyer (a laje com a
caixa d’água) tal e qual sua réplica em Brasília (as colunas do STF***) não dá
sinais de que vai cair, resolvemos em um acordo tácito deixar como está.
Pode até parecer que na
casa do ferreiro o espeto é de pau, mas como nosso quintal é grande e não há
riscos para a integridade da casa em si, melhor deixar pra lá, afinal vai que
ele resolve se vingar colocando seus cd’s de tecnobrega 24hs por dia (realmente
prefiro ver arquitetura contemporânea no quintal todas as manhãs).
Enfim, falando em som,
esse será o tema do próximo post da
Série: Vizinhos.
Não perca e visite o meu blog, onde você encontrará outros
textos como este.
_______________
* Antes que a Associação
dos Defensores de Stolze se manifeste, quero deixar claro que ele é um bom
doutrinador e não é meu intento criticá-lo, mas demonstrar que há uma grande
disparidade entre a teoria e a prática do Direito.
** Sala da escola em que
o Harry Potter estuda (Hogwarts), que fica entulhada de coisas que as pessoas
escondem por lá.
*** Se você nunca visitou
o Supremo Tribunal Federal, saiba que lá Niemeyer colocou colunas em forma de
arco a uma distância enorme umas das outras, de modo que até hoje muitos se
impressionam pelo fato de que aquilo não cai.
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