terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Os donos da rua fecharam a passagem para fazer uma festa. E agora? (Série Vizinhos: Final)



Então gente. Para o grande final da série vizinhos, ao menos por enquanto, resolvi pegar a dica de um dos meus leitores do JusBrasil, o qual reclamava sobre os seus vizinhos que tinham complexo de Cebolinha e se achavam os donos da rua.

Então venham comigo.

Imagine que você está chegando em casa, sexta-feira, depois de um dia cansativo e de repente você se depara com a sua rua completamente fechada e uma festa acontecendo bem ali.

O som alto, tocando a música da metralhadora, aquele povo alcoolizado, dançando estranho e dando vexame no meio da rua e você tentando imaginar como fazer o carro flutuar até a sua garagem sem atropelar aquela gente.

Nesse momento, você tem as seguintes opções:

a) Se irritar profundamente e iniciar uma discussão com a primeira pessoa da festa que cruzar o seu caminho.

b) Descer do carro, entrar de penetra na festa e curtir até o amanhecer.

c) Virar o Hulk e detonar tudo.

d) Seguir os passos que vou ensinar.

Antes de falar dos passos, preciso explicar os seus direitos e os direitos do seu vizinho sobre a rua, para que você compreenda como o Direito trata a matéria e possa inclusive argumentar melhor.

Entenda a parte jurídica envolvida:

Mesmo que o seu vizinho cante “Se essa rua fosse minha” ou derrote a Mônica, a rua é considerada um bem de uso comum do povo (art. 99, I, do Código Civil), ou seja, pertence ao Estado e pode ser utilizada por todos.

A Constituição Federal em seu art. 5º, XVI, assegura a liberdade de reunião, ou seja, as pessoas podem espontaneamente ou de forma pré-combinada se reunir livremente sem necessidade de autorização do Estado.

A norma traz a necessidade de comunicação, mas a maioria dos constitucionalistas entendem que tal ato serve apenas para evitar a frustração de outra reunião previamente marcada para o mesmo horário e local.

Porém, a liberdade de reunião não garante o uso ilimitado dos bens públicos, especialmente porque a trafegabilidade das ruas é condição de exercício do direito de ir e vir (art. 5º, XV, da CF).

Então quem é responsável por regular os “fechamentos” das ruas?

A Prefeitura, é claro!

Existe um documento chamado autorização de uso, o qual é expedido pela Prefeitura, mediante requerimento ou ofício do interessado, que concede a licença administrativa temporária para o fechamento da via e realização do evento.

Ao meu ver, a necessidade da autorização de uso não existe para garantir interesses do Estado, mas a liberdade de locomoção dos demais cidadãos que nada tem a ver com o evento.

Por isso, não vislumbro sua necessidade quando se tratar de ocupações por tempo exíguo como passeatas e apresentações artísticas ou, mesmo que se trate de evento de longa duração, como greves, protestos e festas, desde que não haja bloqueio total do tráfego de pessoas e veículos.

Assim, o fechamento total de uma rua sem a respectiva autorização de uso caracteriza abuso de direito e pode ensejar medidas coercitivas, até o uso da força, pelas autoridades administrativas (leia-se polícia) a fim de restabelecer o fluxo livre de pessoas e veículos.

Diante disso...

Siga os seguintes passos:

1) Tente localizar alguém sóbrio

Nas festas de hoje em dia, também chamadas aqui no nordeste de bagaceiras, esse talvez seja o passo mais difícil de executar.

Mas é importante que você encontre alguém não alterado com quem você possa ter uma conversa civilizada e sem baixarias.

Se o irresponsável pela festa for essa pessoa, melhor ainda.

2) Pergunte se seria possível a abertura da rua para que você possa passar com o carro

Por mais que você já tenha entendimento da questão jurídica envolvida, lembre-se, você não quer pagar de coxinha, mas sim resolver o problema, guardando o carro e indo descansar.

Então, antes de começar a dar uma de ministro do Supremo, apenas tente resolver a questão da maneira mais simples, dizendo onde você mora, que está chegando do trabalho e que precisa colocar o carro na garagem.

Embora esteja em desuso no Brasil, o bom senso às vezes funciona, então tente apelar a ele.

Se você já chegar brigando só vai se estressar e estragar o início de um belo fim de semana.

3) Pergunte quem é o responsável da festa e se ele possui autorização da Prefeitura para fechar a rua.

Se não abrirem passagem para você, aí sim, você pergunta pelo responsável da festa e questiona sobre a existência de autorização da Prefeitura.

Caso haja autorização, (e se houver ele vai te mostrar) não há remédio, será necessário esperar o término do prazo nela indicado para que você possa passar.

Caso contrário, você tenta explicar novamente sua necessidade e acrescenta a parte jurídica para tentar convencer o indivíduo.

Se em qualquer ponto os ânimos se exaltarem e a conversa descambar para a agressão verbal ou física, aborte a missão e volte para o carro.

4) Chame a polícia para realizar o desbloqueio da via

Se mesmo assim não for possível convencer os festeiros a abrir passagem ou se eles foram hostis às tentativas de solução pacífica do problema, ligue para a polícia e informe o ocorrido para que eles desloquem uma viatura para o local a fim de desbloquear a via.

Então é isso, assim encerramos a Série Vizinhos, obrigado a todos que acompanharam, comentaram e votaram.

Se você não leu ainda, segue a lista dos posts anteriores da Série:
Parte 3 - Meu vizinho fez uma laje em cima do muro. E agora?
Parte 4 - Não consigo dormir por causa do barulho do vizinho. E agora?

Para mais textos de minha autoria acesse: http://ricklealfrazao.blogspot.com.br/

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