sábado, 14 de maio de 2016

A oficina não pode reter seu carro por falta de pagamento do serviço



Há um mês escrevi um post sobre isso que você pode ler aqui.

Minha ideia nesse post era levar ao conhecimento das pessoas essa questão, a possibilidade de a oficina reter o veículo em caso de não pagamento, apontar a medida cabível para o consumidor nesse caso e aconselhar os donos de oficina a não fazer isso.

Ao longo do post me manifestei favoravelmente à possibilidade de retenção, pois à época achei muito convincentes os argumentos dos defensores desta tese, porém fui veementemente contestado nos comentários por alguns colegas que defendiam outro posicionamento.

Agora, após aprofundar os estudos sobre Direito do Consumidor, visto que estou escrevendo minha monografia nessa área, cheguei à conclusão de que os colegas estão certos, embora não pelos argumentos que apontaram.

Argumentos a favor da possibilidade de retenção

Recapitulando o que apontei no post anterior:

Poderia ser feita uma analogia com o contrato de depósito, visto que a oficina mantém consigo o carro e por isso deve ser remunerada e também com a benfeitoria, visto que o serviço realizado no veículo caracteriza melhoria passível de indenização.

Em ambos os casos o Código Civil confere ao credor, no caso à oficina, o direito de retenção que é a possibilidade de manter consigo o bem até que seja realizado o pagamento.

Argumentos dos colegas contra a retenção

1) O Código Civil não é aplicável

A base desse argumento é que uma vez caracterizada a relação de consumo (art. 2º e 3º do CDC) exclui-se a aplicação do Código Civil, visto que a lei especial tem prioridade sobre a lei geral.

Esse era o entendimento logo que o CDC foi promulgado, mas tal interpretação logo foi abandonada pois ilógica, visto que o ordenamento jurídico só pode ser entendido de forma sistemática, como já apontava Norberto Bobbio.

Afinal, como dizer que não se aplica o CC a esse contrato se é o CC que traz a maioria das normas sobre contratos?

2) Há meios menos gravosos para obter o pagamento

Esse princípio embora aplicável no processo, não exclui a possibilidade de retenção, uma vez que a lei a autorize.

Melhores argumentos contra a retenção

1) Não é caso de analogia

A analogia é o que chamamos no Direito de mecanismo de integração do ordenamento jurídico, ou seja, serve basicamente para tapar buracos (lacunas) legislativos.

Então, se nos encontrarmos diante de uma situação não contemplada pela lei podemos buscar em outras leis situação semelhante e aplicar seus dispositivos no que couber.

Ela está inclusive prevista no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

Porém, no caso específico da retenção, não há lacuna a ser preenchida, pois o legislador não previu o direito de retenção ao prestador de serviço exatamente porque não entendeu ser o tipo de relação jurídica em que o credor faz jus ao direito de retenção.   

2) Esses dispositivos não podem ser aplicados porque são desfavoráveis ao consumidor

A professora Cláudia Lima Marques, grande doutrinadora do Direito do Consumidor trouxe da Alemanha para o Brasil a chama Teoria do Diálogo das Fontes, que a grosso modo se aplica da seguinte forma: podemos aplicar outras leis às relações consumeristas, inclusive o Código Civil, mas só se os dispositivos forem mais favoráveis ao consumidor.

Essa teoria tem por base o art. 7º do Código de Defesa do Consumidor e cabe perfeitamente a esse caso da oficina, no qual se aplica o Código Civil, mas não os dispositivos que dizem respeito ao direito de retenção por serem desfavoráveis ao consumidor.

Conclusão

Assim, não seria possível reter o carro por não pagamento, ainda que fosse caso de analogia.


Agradeço a todos os colegas que leram e principalmente aos que comentaram, pois contribuíram para meu aperfeiçoamento acadêmico e profissional.

Fica a pontinha de sabedoria: Tolice não é admitir que está errado, mas insistir resolutamente no erro.

10 comentários:

  1. na verdade o que se deve observar é que até os juízes interpretam textos de formas diferentes uns dos outros e que cabe sempre nós estarmos sempre atualizados

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    1. É verdade Joelson. A esperança é que o sistema de precedentes do Novo Código de Processo Civil diminua a bagunça jurisprudencial que existe nesse país.

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  2. Entendo que no caso perfeitamente aplicável a norma constitucional que veda Juízo ou tribunal de exceção, ainda, que ninguém será processado nem sentenciado pela autoridade competente e do devido processo legal, ou seja, a retenção constitui uma forma de justiça privada, vedado no nosso ordenamento jurídico.
    Em contrário, se as partes firmarem um acordo estipulando uma cláusula de retenção em que caso do não pagamento, perfeitamente aplicável ... abs

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  3. Sou leiga totalmente. Me desculpem. Mas sou mulher de mecânico. Levantamos as 5h pra levar as crianças na escola. E abrimos nossa oficina as 7h todos os dias. Trabalhamos no sol, na chuva. Nós machucamos fisicamente muitas vezes. E compromisso nossa parte
    Aí na hora do recebimento você descobre que a pessoa tá de manhã fé. Te usou pra continuar a andar com o carro. Esse é meu trabalho como os dos senhores advogados. Dependo desse recebimento pra poder ir buscar aquelas duas crianças que deixei na escola. E que estarão com fome quando voltar. Como vou alimemta-las? Se cada um que vem. Não paga o que devido? Isso é injusto. Deveria mudar. Pq se a pessoa coloca um automóvel para conserto, ela precisa ter o dinheiro pra pagar por isso. Desculpe o desabafo. E que passo por situações horrível. Desculpe esse é somente um desabafo.

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    1. Luciana, você está coberta de razão. Eu entendo sua situação. Como advogado também já levei calote e nada desestrutura tanto alguém que realmente se dedica no que faz. Eu concordo. Deveria haver o direito de retenção. Mas não faço a lei. Isso é com os nossos políticos. Mas vou fazer um post específico sobre isso.

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  4. Passo pelo mesmo problema !!! Eu e meu marido temos uma mêcanica , há um mês atrás recebemos um pedido de socorro de um jovem para consertar seu carro!!!
    Pediu um guincho que foi pago por nós pois ele não tinha o dinheiro no momento!!!
    Levamos para a oficina e acordamos verbalmente que o ocorrido sairia mais ou menos em 2 mil reais ,pois havia prejudicado o cabeçote e o carro dele não era um carro popular !!!
    Ele disse que podia ser feito !!!
    Assim no dia mesmo começamos a desmontagem e levamos o cabeçote para ser feito em um especialista !!!!
    Quando ligamos ao cliente pedindo que viesse para trazer a entrada de 1 mil reais que tinh sido acordado ele disse que não tinha dinheiro!!!
    Como o cabeçoteiro não tem nada haver com isto pagamos mais uma vez os 1 mil do nosso caixa !!!
    Terminamos o serviço acordado no próximo dia com os restantes das peças e mão de obra custou 2300 ,
    Mim o carro está a um mês na oficina e o dono se diz sem dinheiro pra pagar !!!!
    O que fazer nesta situação já que o dinheiro gasto saiu da minha loja ??
    É o tempo do carro parado ???? Ocupando o lugar de outro !!!
    Que lei nos ampara dos maus pagadores???
    Já que vi bastante sobre o código de defesa do consumidor e não do fornecedor de serviço !!!!!


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    1. Juninho, desculpe pela demora em responder. Pra melhorar a situação basta fazer um contrato por escrito no qual conste o direito de retenção. Daí você só começa a prestar o serviço depois da assinatura do contrato. Também é possível cobrar esse valor na Justiça. Por razões éticas não posso entrar em detalhes aqui nos comentários que são públicos, mas se houver interesse em uma consultoria basta entrar em contato comigo por e-mail ou WhatsApp

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  5. Sim.Senhores advogados, juristas!
    aguardo a resposta aos questionamentos oportunos e carregados de justificativas reais dos prestadores de serviço:Luciana silva e Juninho M.?

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    1. Fico no aguardo também, pois sou prestador de serviços de manutenção em informática e ora ou outra levo um "cano"

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    2. Kledna e Fiel, atendendo a vocês farei uma série de posts falando sobre como o fornecedor pode reaver os valores devidos por clientes caloteiros

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