JusAmiguinhos, será se
apoiar o destaque que cria crimes de responsabilidade para juízes e promotores
realmente é ir contra a lava jato?
Vi muitas reações
diferentes sobre o assunto, mas poucas que realmente sopesassem os dois lados.
Em tempos de redes
sociais, tem muita hashtag e pouco
argumento, muito grito de guerra e pouca discussão técnica.
Isso é preocupante.
Eu não vou falar sobre as
10 medidas em si, até porque a maioria delas já se foi, mas pretendo tratar
hoje especificamente do destaque aprovado pela Câmara e que levou a mídia à
loucura por esses dias.
Breve
retrospectiva: O que são as 10 medidas contra a corrupção
São algumas propostas
legislativas apresentadas pelo Ministério Público Federal à população, que os
subscreveu dando início a uma proposta de lei de iniciativa popular.
Esse projeto, o PL
4.850/2016, foi levado à Câmara e quase totalmente modificado lá.
Na madrugada do dia 30 de
novembro, o plenário da Câmara aprovou o texto com várias modificações que
revoltaram alguns segmentos da sociedade.
Dentre elas, foi dada
ênfase ao destaque que cria hipóteses de punição para juízes e promotores por
abuso de autoridade.
Qual
o motivo da reação popular?
A população, de modo
geral, não gostou nem um pouco do que fez o Legislativo.
Primeiro, porque foi
feito de madrugada, o que soa muito sorrateiro aos ouvidos de um povo que tem
mais medo de água quente do que gato escaldado.
Segundo, porque foi feito
enquanto a nação estava de luto pela tragédia que aconteceu com o time da
Chapecoense.
Terceiro, porque a mídia
reagiu fortemente afirmando que o ato constitui uma nítida tentativa de
vingança do Congresso contra a força tarefa da lava jato.
Quarto, porque Renan
Calheiros apoia a medida.
Quinto, porque boa parte
dos que votaram a favor da medida se não são investigados estão bem próximos de
ser.
O
que diz o destaque aprovado?
Esse é o primeiro ponto!
A mídia condena o destaque, o aponta como ato de vingança e afirma
convictamente que tais dispositivos têm como objetivo parar a lava jato.
O que você não vê é
discussão sobre o conteúdo da proposta.
O texto da lei é
certamente mais importante que a vontade do Legislador, visto que uma vez em
vigor é ele que será objetivamente interpretado e aplicado (ou seja, andará com
as próprias pernas).
A maioria dos nossos
políticos é corrupta, vil e se guia por interesses próprios. Mas se vamos
considerar esses fatos, não poderíamos desqualificar todo e qualquer texto por
eles produzido?
Isso significa que não
podemos apedrejar o projeto antes de realmente analisar o texto.
Vou comentar apenas a
parte dos juízes, visto que o tratamento dado a juízes e promotores é bem
parecido.
O
que o destaque estabelece para os juízes?
Vamos ao que diz o
texto...
“Art.
8º Constitui crime de abuso de autoridade dos magistrados:”
Os crimes de abusos de
autoridade hoje são previstos na Lei 4.898/65, cuja redação além de
ultrapassada ainda é extremamente aberta, o que dificulta amoldar determinadas
condutas ao tipo penal.
É importante diferenciar
o abuso de autoridade do crime de responsabilidade.
O primeiro é crime comum
e vai a julgamento no Judiciário e o segundo é infração político-administrativa
que pode ir a Julgamento no Legislativo, conforme o cargo que o autor ocupe
(como ocorreu com Dilma).
Dito isso, fica claro que
ao prever crimes de abuso de autoridade o Legislativo não se torna juiz sobre o
Judiciário ou sobre o Ministério Público.
Uma coisa é uma coisa e
outra coisa é outra coisa.
“I - proferir julgamento, quando, por lei, seja impedido”
O juiz impedido é aquele
que, nos termos do art. 144 do Novo Código de Processo Civil, tenha vinculação
objetiva com o processo, o que inclui o juiz que for parte no processo ou for
parente de uma delas, que oficiou como perito ou funcionou como membro do
Ministério Público, testemunha ou mandatário de uma das partes, que conheceu o
processo em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão, dentre outras
situações.
Se
o juiz sabe que está impedido e mesmo assim julga, isso mostra um caso claro de
abuso de autoridade.
Ele abusa de sua posição
para obter vantagem para ele ou outra pessoa de modo ilegal e inconstitucional.
Assim sendo, caracterizar
essa conduta como crime me parece perfeitamente razoável.
“II - atuar, no exercício de sua jurisdição, com motivação
político-partidária”
Por semelhante modo,
nesse caso, o juiz se utiliza de sua posição para defender bandeiras políticas
próprias em desprezo à Jurisdição e à técnica jurídica.
O juiz deve saber que seu
dever é atuar de modo objetivo e técnico, conforme os ditames do ordenamento
jurídico.
Se ele leva política para
dentro do Tribunal e tenta usurpar o papel dos parlamentares, exercendo
atividade legislativa sem a legitimidade do voto, certamente deve ser punido na
esfera criminal.
“III
- ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”
A meu ver é excessivo
considerar uma atuação desidiosa como crime, afinal na maioria das profissões
quem não trabalha direito ou é suspenso sem remuneração ou demitido.
Aplicando o mesmo raciocínio
aos juízes, tem-se que a melhor punição é administrativa e não penal.
“IV
- proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”
Semelhantemente ao que
acontece com os parlamentares, faltar com o decoro poderia ensejar advertência,
suspensão e até perda do cargo, mas daí a encarcerar alguém por se portar de
modo inadequado é demais.
“V
- exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo de
magistério”
Outros servidores
públicos que incorrem na mesma ilicitude podem optar por um dos cargos.
No caso do juiz até daria
pra entender um maior rigor que, por exemplo, ocasionasse a perda do cargo, mas
tornar isso um crime me parece demais.
“VI
- exercer atividade empresarial ou participar de sociedade empresária,
inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista”
O raciocínio é idêntico
ao do inciso anterior.
“VII
- exercer cargo de direção ou técnico de sociedade simples, associação ou
fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe e
sem remuneração”
A mesma coisa dos incisos
antecedentes.
“VIII - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou
participação em processo”
Quem se vale da posição
para se locupletar ilicitamente comete crime e deve ser punido.
“IX - expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião
sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo
depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais,
ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do
magistério”
Em tempos de
espetacularização do Direito este dispositivo é providencial, no entanto a meu
ver o texto é excessivamente restritivo à liberdade de expressão.
O juiz como qualquer
cidadão deve poder comentar decisões judicias, afinal o que as legitima é
exatamente a precisão argumentativa.
Tais comentários podem se
dar por quaisquer meios que o cidadão julgar interessantes e não só no
exercício do magistério ou em obras técnicas.
Do ponto de vista ético,
não cabe ao juiz buscar os holofotes, mas aprovando-se isso ele sequer poderá
utilizar as redes sociais ou ter um blog
(afinal, nesses meios comentamos coisas com as quais convivemos e o juiz
convive com decisões judiciais).
Concordo com a restrição
a comentários sobre processos pendentes de julgamento que estejam na mão do
próprio juiz, mas não das decisões judiciais de um modo geral.
Ҥ
1º Aos crimes a que se refere este artigo serão cominadas as penas de reclusão
de seis meses a dois anos e multa”
O aumento da pena é
importantíssimo, porque o abuso de autoridade é considerado pelo Superior
Tribunal de Justiça como crime de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei
9.099/95), ou seja, vai para o Juizado Especial Criminal e é passível de um
número considerável de benefícios.
Com esse dispositivo o
crime passa a ser de médio potencial ofensivo e, portanto, tem maior efeito
repressivo.
Ҥ
2º Observadas as regras de competência previstas na Constituição Federal,
qualquer cidadão pode representar contra membro da magistratura perante o tribunal
ao qual está subordinado o magistrado”
Esse dispositivo amplia e
muito a fiscalização que a sociedade pode exercer sobre o Judiciário.
Qualquer cidadão poderá
apontar as ilegalidades cometidas por um juiz.
Com isso a toga deixa de
ser um manto impenetrável e os profissionais do Direito passarão a atuar com
mais responsabilidade.
Ҥ
3° Se a representação for contra juiz do trabalho ou juiz militar federal, a
denúncia será encaminhada ao respectivo Tribunal Regional Federal; se for
contra juiz militar estadual, ao respectivo Tribunal de Justiça”
Esse parágrafo apenas
explica quem é competente para julgar cada caso e, como observado, os juízes
estarão sujeitos a outros juízes e não ao Legislativo.
“§ 4°
A representação, assinada
pelo representante com a firma
reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a
comprovem ou da
declaração de impossibilidade de apresentá-los, com
a indicação do local
onde possam ser encontrados”
Esse dispositivo expressa
duas coisas: uma que a representação não pode ser irresponsável, ou seja,
precisa de provas e a outra que também não pode ser anônima, afinal quem tem
certeza do que está afirmando não deve se esconder.
Ҥ
5° Os crimes desta Lei serão processados por ação penal pública, podendo o
lesado pelos atos abusivos oferecer queixa subsidiária, se o Ministério Público
não intentar a ação pública no prazo legal”
Aqui também está um
mecanismo excelente para evitar eventuais corporativismos do Judiciário e do
Ministério Público.
Se o MP não der
seguimento no prazo, a própria pessoa poderá fazê-lo.
Ҥ
6° A Ordem dos Advogados do Brasil e organizações da sociedade civil
constituídas há mais de um ano e que contenham em seus estatutos a finalidade
de defesa de direitos humanos ou liberdades civis serão igualmente legitimadas a
oferecer a queixa subsidiária”
Aqui, há uma ampliação do
rol de pessoas que pode fazer a representação, o que melhora e muito a questão
fiscalizatória.
Até
que ponto a aprovação do Projeto com este destaque realmente prejudica os
juízes e promotores sérios?
A meu ver o erro moral da
Câmara foi esse tom de retaliação à lava jato e o erro político a falta de
compreensão do momento que vivemos, afinal de contas com o povo saturado de
corrupção e o país em luto, evidentemente soou como uma traição parlamentar.
Do ponto de vista
jurídico, o equívoco é prever punição penal em muitos casos que as punições
administrativas já são suficientes.
Entretanto, penso que as
partes que sublinhei constituem ilícitos graves a ponto de serem considerados crimes.
Supor que juízes e promotores
estão acima da lei é reforçar um privilégio odioso que vai contra o Estado
Democrático de Direito.
Um juiz ou promotor sério
não emitirá sentença ou parecer se estiver impedido, não atuará por motivação
político-partidária, não aceitará receber nenhum tipo de participação financeira
na causa e muito menos ficará espetacularizando o processo.
Concordo que o projeto da
forma que está pode dificultar a atuação de juízes e promotores e isso não
porque os ilícitos previstos no texto sejam absurdos, mas porque em muitos
casos bastaria a suspensão sem remuneração ou a perda do cargo.
Temos que lembrar que o
encarceramento tem que ser sempre o último recurso.
Importa destacar também
que hoje as punições máximas que um juiz ou promotor recebem é serem
aposentados compulsoriamente.
Isso lá é punição? Pra
mim parar de trabalhar e continuar recebendo parece mais um prêmio...
Juízes e promotores
precisam sim de blindagens contra quem está no poder para poderem exercer seus
papéis de modo imparcial, mas daí a considerá-los intocáveis é demais.
Temos que concordar que no
atual contexto normativo as punições de juízes e promotores são piadas ridículas
e uma afronta ao povo brasileiro.
Por isso, embora o texto
do destaque precise de modificações, discutir os crimes de abuso de autoridade
de juízes e promotores é importantíssimo.
Assim sendo, acredito que
depois de suprimir essas partes que geram punição penal onde ela não cabe o
texto do destaque deveria realmente se tornar lei.
Por
que Sérgio Moro e os procuradores estão tão preocupados?
A maior preocupação deles
certamente é o dispositivo que trata de utilizar meios de comunicação para comentar
decisões.
Porque a lava jato tem
utilizado largamente a mídia como instrumento de pressão, violando a presunção
de inocência ao condenar publicamente as pessoas antes do devido processo
legal.
Quem é investigado na
cabeça do cidadão comum já é culpado.
E se é assim, pra que
temos juízes, promotores e processo? Se os meios de comunicação são promotores,
juízes e carrascos?
A pressão midiática e o
uso abusivo e inconstitucional de prisões cautelares têm tornado a delação
premiada a rainha das provas.
Nesse contexto, até apresentação
de power point é utilizada como modo
de formar uma convicção pública de culpa, antes mesmo do início formal do
processo.
Só a título de comentário,
não falo isso pra defender Lula, inclusive porque acho que ele é culpado, mas
culpado ou não, garantias são garantias.
Se eu violo a lei pra
punir alguém que violou a lei, eu não passo de um hipócrita!
Investigar? Sim! Punir?
Sim! Prender? Com certeza!
Mas tudo respeitando as
balizas legais ou voltaremos à barbárie.
É triste, mas opiniões
pessoais, decisionismos, solipsismos, ideologias políticas e idiossincrasias
tem tomado o lugar das teses jurídicas e da técnica do Direito.
A cada dia, a lava jato
tem parecido menos um conjunto de procedimentos judiciais para se tornar uma
espécie de cruzada política.
Mais uma vez com isso não
estou defendendo o PT, o qual eu também julgo culpado pelo deplorável estado em
que se encontra o país.
Meu ponto é que a força
tarefa está preocupada porque sabe que tem agido à margem da Constituição desde
o começo.
Tem
cabimento a ameaça de renúncia coletiva dos procuradores?
Em resposta à aprovação
do texto base na Câmara dos Deputados, os procuradores da força tarefa, como
tentativa de pressionar o Legislativo, ameaçaram renunciar coletivamente às
suas posições na operação lava jato.
Com esse discurso e a
cobertura da mídia realmente pareceu para toda a sociedade que se o projeto
passar a lava jato para.
Mas, será mesmo?
Antes de tudo precisamos
lembrar que os procuradores possuem uma vinculação funcional e não pessoal com
o caso.
Isso significa que foram
designados para isso e não podem de acordo com as normas internas do Ministério
Público abandonar os casos por qualquer motivo.
Com motivo ou sem motivo,
eventual renúncia desses procuradores implicaria designação de outros procuradores
para a tarefa.
Tal reação demonstra o
estrelismo de pensar que eles são mais competentes que outros procuradores ou
que a lava jato só anda por causa deles.
Há muito o Ministério
Público não tem se portado como Ministério Público dentro da lava jato.
O MP não é partido e nem
organização da sociedade civil para fazer proselitismo ou lobby e seus membros não podem se utilizar do cargo para isso.
O elemento midiático da
lava jato já retirou sua precisão e rigor técnico faz tempo e o pior que isso
aconteceu com os aplausos de muitos juristas que comemoram a violação dos
direitos e garantias fundamentais.
Para evitar a forte
tentação da fama, da ostentação e do ímpeto de agradar a opinião pública profissionais
do Direito deveriam se manter afastados das câmeras o máximo possível, sob pena
de se desprenderem da técnica para decidir segundo os gritos da plateia.
Senhores, o Judiciário
não é o programa da Angélica em que vence quem receber mais aplausos ou quem
gritar mais alto.
Quem estuda processo sabe
que todo procedimento está ligado a determinadas garantias constitucionais e
despeitar o devido processo é rasgar a Constituição.
A presunção de inocência
foi sovada inúmeras vezes com a decretação de prisões cautelares cujo único
motivo real era pressionar outros envolvidos a realizar delação premiada.
O que seria isso?
Preguiça de investigar? Instrumentalização do ser humano? Os fins justificando
os meios?
Tudo isso e muito mais!
Na verdade, há um profundo desprezo pela ordem jurídica de quem aceita fazer as
coisas dessa forma.
A corrupção precisa ser
combatida de modo severo no Brasil, mas um erro não justifica o outro.
Se fragilizamos as
garantias constitucionais agora, não podemos reclamar do futuro que nos
aguarda.
Processo penal nunca pode
ser pensado só pro outro e nem partir da presunção de culpa.
Portanto, a reação dos
procuradores é absolutamente descabida.
Isso porque é
incompatível com a postura institucional que o Ministério Público deve manter
perante atos dos Poderes da República e porque não passa de uma atitude de autopreservação,
na medida em que os procuradores sabem estar atuando de modo parcial e inadequado.
Conclusão
Nossos políticos estão
atuando de modo reprovável e à margem da Constituição? Sim!
Infelizmente, os
promotores e os juízes da lava jato também!
Mas sabe quem é o grande
culpado disso tudo? O povo!
Porque votamos nos
bandidos que lá estão, nos deixamos manipular pela mídia, incentivamos a
ostentação judicial, aplaudimos justiceiros e violações à Constituição e ainda
nos digladiamos entre nós mesmo quando deveríamos encontrar um lugar comum para
solucionar os problemas da nossa nação.
Precisamos reformar o
Brasil, mas pra isso é imprescindível reformar o brasileiro.
Então comece por você!
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