Naquela manhã eu
caminhava livremente pelas ruas largas e margeadas por lindos gramados.
O clima ameno e a brisa
suave contrastavam com a austeridade dos prédios e a frieza do plano piloto.
Enquanto seguia com os
olhos a Esplanada dos Ministérios lembrei-me de como o funcionamento daquela
cidade fora idealizado.
Há mais de 20 anos, o
povo que veio de vários povos se reuniu naquele lugar e promoveu um dos
processos democráticos mais lindos e participativos da história, do qual
resultou o Grande Livro.
O povo que veio de vários
povos após muitos anos de opressão decidiu que o Grande Livro seria a
autoridade suprema contra o arbítrio dos governantes e para isso definiu que as
pessoas em seu território só poderiam ser governadas por normas chamadas de patos.
Para que nenhum dos
integrantes do povo que veio de vários povos se voltasse contra o Grande Livro
e os patos fossem bem tratados decidiu-se criar três casas: a Chocadeira, a
Fazenda e a Clínica Veterinária.
Os homens que trabalham
na Chocadeira tinham o dever de pensar em novos patos e chocar os ovos até que
eles nascessem e estivessem preparados para ir para a Fazenda.
Os homens da Fazenda tinham
por obrigação receber os patos da Chocadeira, alimentá-los e dar a eles a utilidade
para a qual foram pensados, ou seja, conseguir carne, penas e o que mais o povo
que veio de vários povos precisasse.
Os homens da Clínica
Veterinária tinham o papel de proteger o Grande Livro e cuidar da saúde dos
patos.
Hoje olhando para
Chocadeira, para a Fazenda e para a Clínica Veterinária vejo que os homens que
lá estão falharam miseravelmente em seguir o Grande Livro.
Há muito a Chocadeira tem
produzido patinhos feios em lugar dos patos imaginados pelo Grande Livro e os
homens da Fazenda têm alimentado seus próprios gados com os patos, em vez de
atender ao interesse do povo que veio de vários povos.
A última esperança eram
os homens da Clínica Veterinária, porém estes se esqueceram que seu papel era
cuidar da saúde dos patos e não chocá-los ou fazer experiências genéticas com
eles.
Agora por último parece
que a esperança se foi...
Um grande coronel da
Chocadeira abusou de seu cargo e violou o Grande Livro várias vezes.
Seus pares deveriam eles
mesmos dar cumprimento ao Grande Livro e resolver a situação, porém seu
compromisso já não é com o Grande Livro ou com o povo que veio de vários povos.
Os homens da Clínica Veterinária
não encontrando nenhuma saída no Grande Livro resolveram inventar uma, glosando
o Grande Livro com sua pena de pato.
O coronel esperneou e os
homens da Clínica por causa de interesses próprios voltaram atrás da glosa e
acabaram criando um ornitorrinco.
Ficamos impressionados
com o mais novo ornitorrinco, mas a verdade é que no porão na Clínica já tem
uma criação de ornitorrincos.
A verdade é que as
inúmeras glosas e desrespeitos ao texto do Grande Livro tem tornado a Clínica Veterinária
em verdadeira Clínica Clandestina de Experiências Genéticas.
E o povo que veio de
vários povos tem tido que alimentar as fazendas dos homens da Fazenda, lidar
com os patinhos feios da Chocadeira e aceitar os ornitorrincos da Clínica, como
se patos fossem.
O pior é que os
estudiosos de patos têm aceitado os ornitorrincos como se fossem supernormais e
têm medo de questionar os homens da Clínica.
Acharam que os homens de
preto da Clínica eram heróis porque tinham capas, mas esqueceram que também
estes deixaram os ensinamentos do Grande Livro.
Na verdade, estes o
vilipendiaram da pior forma possível, porque se acharam no direito de
reescrevê-lo.
Deixaram o propósito que
o Grande Livro os confiou e arvorados em suas vestes pretas passaram a
considerar patos os seus próprios arbítrios.
Desolado, o povo que veio
de vários povos hoje agoniza e espera por um heroi, mas continua errando pois
crê que os homens de preto ajudarão.
Esquecem-se que a solução
é e sempre foi o Grande Livro, porém hoje acham que ele é velho e que não serve
mais.
O próprio povo que veio
de vários povos o rejeita e esquece que ele é de sua autoria.
O Grande Livro não é
ensinado nas escolas e é diuturnamente riscado, reescrito e rasgado por aqueles que deveriam preservá-lo.
Eu olho consternado para
a frieza dos prédios de pedra, esperando que um dia se lembrem do Grande Livro
e o calor humano do povo que veio de vários povos volte a inundar as ruas de
Brasília.
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