terça-feira, 15 de agosto de 2023

Larvas no cachorro-quente: uma história indigesta

 


Olá, JusAmiguinhos! Estou de volta. Após 3 anos sem novas publicações, enfim resolvi retornar ao JusBrasil com novas publicações, novos temas e novas experiências.

Para quem não me conhece, meu nome é Rick Leal Frazão, fui advogado por 6 anos e agora sou servidor público.

Como vocês devem imaginar, tenho muitas histórias para contar e hoje selecionei uma delas - uma história particularmente nojenta, como o título sugere.

Certa vez, um amigo meu resolveu sair com sua então namorada e foram lanchar em uma lanchonete de um bairro popular de São Luís/MA. A lanchonete era bastante movimentada e conhecida no bairro e até então acima de qualquer suspeita em termos de atendimento, qualidade do produto e higiene.

Eu mesmo já havia frequentado algumas vezes o local e confesso que gostei, porém naquela noite meu amigo me enviou um vídeo perturbador.

Dentro do cachorro-quente mordido havia algumas larvas se movendo! Horrível!

Enojado e indignado, ele resolveu que queria processar a lanchonete, o que eu providenciei logo na semana seguinte.

Infelizmente, a única testemunha disponível era a namorada do meu amigo (não teria credibilidade em juízo) e o vídeo foi gravado já dentro do carro, de modo que ele não tinha nenhuma evidência que vinculasse o cachorro-quente contaminado com a lanchonete.

A defesa deles foi justamente nesse sentido e, como não tínhamos outros elementos, acabamos fazendo um acordo porque o risco de improcedência era alto.

Cabe destacar que nesse caso do meu amigo houve ingestão do produto contaminado, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já definiu que há dano moral mesmo quando não há ingestão por conta do risco potencial à saúde do consumidor:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. AQUISIÇÃO DE ALIMENTO (PACOTE DE ARROZ) COM CORPO ESTRANHO (CONGLOMERADO DE FUNGOS, INSETOS E ÁCAROS) EM SEU INTERIOR. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E INCOLUMIDADE FÍSICA E PSIQUÍCA. FATO DO PRODUTO. INSEGURANÇA ALIMENTAR. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL MESMO QUE NÃO INGERIDO O PRODUTO. 1. Ação ajuizada em 11/05/2017. Recurso especial interposto em 24/07/2020 e concluso ao gabinete em 13/11/2020. 2. O propósito recursal consiste em determinar se, na hipótese dos autos, caracterizou-se dano moral indenizável em razão da presença de corpo estranho em alimento industrializado, que, embora adquirido, não chegou a ser ingerido pelo consumidor. 3. A Emenda Constitucional nº 64/2010 positivou, no ordenamento jurídico pátrio, o direito humano à alimentação adequada (DHAA), que foi correlacionado, pela Lei 11.346/2006, à ideia de segurança alimentar e nutricional. 4. Segundo as definições contidas na norma, a segurança alimentar e nutricional compreende, para além do acesso regular e permanente aos alimentos, como condição de sobrevivência do indivíduo, também a qualidade desses alimentos, o que envolve a regulação e devida informação acerca do potencial nutritivo dos alimentos e, em especial, o controle de riscos para a saúde das pessoas. 5. Nesse sentido, o art. 4º, IV, da Lei 11.346/2006 prevê, expressamente, que a segurança alimentar e nutricional abrange "a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos". 6. Ao fornecedor incumbe uma gestão adequada dos riscos inerentes a cada etapa do processo de produção, transformação e comercialização dos produtos alimentícios. Esses riscos, próprios da atividade econômica desenvolvida, não podem ser transferidos ao consumidor, notadamente nas hipóteses em que há violação dos deveres de cuidado, prevenção e redução de danos. 7. A presença de corpo estranho em alimento industrializado excede aos riscos razoavelmente esperados pelo consumidor em relação a esse tipo de produto, sobretudo levando-se em consideração que o Estado, no exercício do poder de polícia e da atividade regulatória, já valora limites máximos tolerados nos alimentos para contaminantes, resíduos tóxicos outros elementos que envolvam risco à saúde. 8. Dessa forma, à luz do disposto no art. 12, caput e § 1º, do CDC, tem-se por defeituoso o produto, a permitir a responsabilização do fornecedor, haja vista a incrementada - e desarrazoada - insegurança alimentar causada ao consumidor. 9. Em tal hipótese, o dano extrapatrimonial exsurge em razão da exposição do consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e à sua incolumidade física e psíquica, em violação do seu direito fundamental à alimentação adequada. 10. É irrelevante, para fins de caracterização do dano moral, a efetiva ingestão do corpo estranho pelo consumidor, haja vista que, invariavelmente, estará presente a potencialidade lesiva decorrente da aquisição do produto contaminado. 11. Essa distinção entre as hipóteses de ingestão ou não do alimento insalubre pelo consumidor, bem como da deglutição do próprio corpo estranho, para além da hipótese de efetivo comprometimento de sua saúde, é de inegável relevância no momento da quantificação da indenização, não surtindo efeitos, todavia, no que tange à caracterização, a priori, do dano moral. 12. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp: 1899304 SP 2020/0260682-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 25/08/2021, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 04/10/2021)

Sendo assim, se um produto alimentício contaminado por corpos estranhos é adquirido, esse fato, por si, gera dano moral indenizável, o qual obviamente será maior se houver efetiva ingestão ou mesmo mastigação/deglutição do alimento.

No caso do meu amigo, a indenização acabou sendo bem baixa em razão das provas disponíveis, e, por isso, eu deixo algumas dicas para caso isso aconteça com você:

01. Sempre faça suas compras pelo cartão de crédito ou pix, assim ficará uma prova de que houve uma transação financeira com o estabelecimento naquele horário;

02. No caso do pix, coloque no comentário o produto que está sendo adquirido;

03. Se você estiver no restaurante/lanchonete, grave o vídeo ainda no local, chame atenção para o fato, grave um vídeo assim que detectar o ocorrido e faça com que pessoas que estejam ao redor vejam (assim você terá testemunhas com alguma credibilidade em juízo);

04. Se possível, entreviste as pessoas no local com o vídeo ainda gravando (às vezes quem se disponibiliza para testemunhar, volta atrás quando o processo realmente começa). Se não for possível, pegue o contato para que você possa indicá-las como testemunhas depois;

05. O ideal seria pegar nome, endereço e CPF, mas as pessoas são resistentes a dar todos esses dados, no entanto se fornecerem o telefone é possível depois solicitar ao juízo que oficie as empresas de telefonia para obter os dados do titular da linha e promover sua intimação;

06. Guarde as notas fiscais para que além da prova da transação financeira, também haja prova do que efetivamente foi comprado (vale para lanchonete e para supermercado);

07. Se o corpo estranho e o alimento não forem facilmente perecíveis, guarde da maneira mais bem preservada possível para uma possível perícia (coloque em um plástico limpo e lacre com fita adesiva). Nesse caso, seu advogado deve requerer uma produção antecipada de prova;

08. Procure um advogado de sua confiança para conduzir o processo;

09. Nunca! Nunca mais pise o pé no referido estabelecimento.

Eu nunca mais fui naquela lanchonete e até hoje fico meio enjoado de pensar que posso já ter comido algum lanche com larvas ou coisa parecida. Eca. Deus me livre.

Por óbvio, eu preservei o nome do meu cliente por conta do sigilo profissional e o nome da lanchonete para evitar ser processado, afinal, como se diz lá no Maranhão, é o nome que faz o fuxico.

E vocês? Tem alguma história de nojeira de restaurante ou lanchonete para contar? Sabiam que esse tipo de coisa gera direito a indenização?

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