Olá, JusAmiguinhos! Não
tenho escrito muito porque estou em um projeto de mudança de área dentro da
advocacia então tenho investido bastante tempo estudando o assunto.
Mas hoje quero falar um
pouco sobre um caso de violação de prerrogativas da advocacia.
A
perícia que não pude acompanhar...
Eu estava representando
um cliente perante o Juizado Especial Federal da Seção Judiciária de São Luís –
MA em um caso de aposentadoria por invalidez.
Marcada a perícia, eu fui
junto com o cliente para poder acompanhá-lo, mas qual não foi a minha surpresa
quando chegado o momento de entrar na sala fui barrado pela perita.
Ela invocou a Portaria n. 006, 23 de
julho de 2013 (ao lado) que basicamente confere ao perito médico a
discricionariedade de dizer se o advogado pode ou não entrar e permanecer na sala
no momento da perícia.
Chamei os reforços, mas...
Apesar de insistir informando
que não interferiria na perícia, ainda assim fui impedido de entrar.
Confesso que isso me
tirou do sério, mas provocar uma confusão ali apenas retardaria o andamento do
processo e meu interesse principal sempre é o do cliente, então preferi me
conter.
Chamei a comissão de
prerrogativas da OAB-MA via WhatsApp, mas apesar da promessa de que medidas
seriam tomadas nada foi feito.
Percebi naquele momento
que simplesmente não havia advogados na sala de espera da perícia e que a
advocacia previdenciarista maranhense ao que parece aceitou a imposição sem
questionar.
Resolvi
tomar as minhas providências!
No Brasil, infelizmente
há um paternalismo latente que nos torna dependentes de entidades de classe, do
Estado, de sindicatos e o povo em vez de tomar as providências para corrigir as
ilegalidades que percebe prefere esperar que alguém faça alguma coisa.
Talvez o maior problema
do nosso país hoje seja: queremos que alguém faça alguma coisa, mas não
queremos gastar tempo e dinheiro para ser esse alguém.
Eu decidi ser esse alguém!
Entrei com um mandado de
segurança no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Proc. 1001324-13.2018.4.01.0000)
e consegui uma liminar do Desembargador Kassio Marques me autorizando a
acompanhar meus clientes em perícias e reconhecendo ao menos em caráter liminar
que a Portaria pode violar as prerrogativas do advogado.
O mandado de segurança
ainda não foi julgado em definitivo, mas podem ter certeza de que eu
sustentarei oralmente perante o tribunal para assegurar as garantias que são de
toda a classe.
A princípio o meu
problema foi resolvido e eu poderia ter parado por aqui, mas pensei em todas as
outras partes muitas vezes humildes e como devem ficar assustadas ao chegar
ali.... Também pensei nos outros advogados que podem querer oferecer um serviço
de máxima qualidade acompanhando os seus clientes nas perícias e que hoje não
podem fazê-lo.
Por isso apresentei um
Procedimento de Controle Administrativo (0001897-63.2018.2.00.0000)
junto ao CNJ para derrubar a Portaria em caráter geral, mas a relatora entendeu
que não poderia dar provimento administrativamente a questão já judicializada
para que não haja decisões contraditórias.
Acontece que se trata de
uma questão muito mais ampla que os interesses particulares meus e do meu
cliente, atingindo toda a advocacia maranhense e por isso eu apresentei recurso
ao plenário sob o fundamento de que antes de decidir a OAB-MA deveria ser
consultada e que o CNJ ainda que de ofício deveria corrigir a ilegalidade do
ato antes que ele se consolide pelo decurso do tempo.
As
lições que aprendi e quero passar são: 01 – Não espere que alguém faça por você
o que você pode fazer; 02 – Não resolva só os seus problemas, lute por uma
sociedade melhor pra todos.
Caso alguém tenha ficado
curioso e tenha paciência para ler os fundamentos do mandado de segurança, eu os
copiei aqui embaixo, preservando as informações pessoais do meu cliente.
01
– Da prerrogativa de participar dos atos processuais
As
prerrogativas dos advogados são direitos inerentes ao exercício profissional,
cuja função é assegurar a defesa adequada do cidadão.
O
advogado tem o direito de exercer, com liberdade, a profissão em todo o
território nacional (art. 7º, I, da Lei 8.906/94), o que por certo inclui a
sala em que se realizam as perícias judiciais.
A
qualquer momento durante procedimento civil ou penal é direito do advogado
comunicar-se com seu cliente, não surtindo efeitos para ele qualquer restrição,
tal como a incomunicabilidade (art. 7º, III, da Lei 8.906/94)
O
advogado também possui ingresso livre em salas de tribunais, gabinetes,
cartórios, secretarias, ofícios de justiça, edifícios onde funcione repartição
judicial e por aí vai (art. 7º, III, da Lei 8.906/94).
Ora,
pela teoria dos poderes implícitos, quem pode o mais, pode o menos, e se é
prerrogativa do advogado ir até além dos cancelos, até mesmo na parte reservada
aos juízes, certamente poderá ingressar e permanecer na sala de perícias.
Negar
o ingresso ou permanência constitui violação de prerrogativa profissional do
advogado[1], sobretudo se isto for
feito com base em portaria que é ato infralegal e que, portanto, não pode
inovar na ordem jurídica.
A
autoridade coatora no caso presente é o atual coordenador do Juizado Especial
Federal, pois embora não tenha sido o autor da portaria é quem tem poder para
revogá-la.
A
perita é, portanto, mera agente em um dos casos que ensejou o presente mandado
de segurança.
Há
de se ressaltar que a violação de prerrogativa profissional na presença de clientes
consiste em tratamento incompatível com a dignidade da advocacia (art. 6º,
parágrafo-único, da Lei 8.906/94) que mancha a honra objetiva do impetrante.
02
– Da ausência de violação de sigilo
Em
primeiro lugar, cabe dizer que em qualquer ato processual a publicidade é regra
e o sigilo é exceção (art. 5º, LV, Constituição Federal) e que é máxima da
hermenêutica jurídica que aquilo que é exceção se interpreta restritivamente.
É
exatamente por isso que apenas nos procedimentos criminais em que houver risco
de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências é
que o delegado ou promotor pode restringir o acesso do advogado a determinados
documentos (art. 7º, XXI, §11 da Lei 8.906/94).
Assim,
não é possível criar via portaria e
fora das hipóteses legais situação em que o advogado não tenha acesso ou
participação em ato processual.
Como
se depreende da interpretação do art. 7º, XXI, §§1º e 10, da Lei 8.906/94 c/c
art. 107, I, do Código de Processo Civil, nos
processos cíveis ainda que sob segredo de justiça não existe sigilo para o
advogado que esteja devidamente habilitado nos autos, sobretudo se ele
possui procuração com poderes especiais.
Em
segundo lugar, é bem verdade que o art. 73 do Código de Ética Médica assim
dispõe:
É vedado ao médico: Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Contudo,
o cliente não está se submetendo a uma consulta no consultório do médico, mas a
uma perícia judicial, ou seja, revelar esses fatos é ato inerente à esta
atividade por dever legal (art. 156 e 157 do Código de Processo Civil).
É
importante ressaltar que o advogado
também possui o dever ético e legal de manter sigilo, nos termos do
art. 33 e 34, VII, da Lei 8.906/94 e do art. 35 do Código de Ética da OAB.
Ora,
se o Judiciário já entendeu que inexiste quebra de sigilo quando as informações
bancárias são repassadas de um órgão para outro que possui dever de sigilo,
guardadas as proporções, também não há qualquer lesão à intimidade ou quebra de
sigilo das informações do cliente/paciente (RE 601314/SP e ADIs 2859/DF, 2390/DF,
2386/DF e 2397/DF)
As
relações médico-paciente e advogado-cliente são ambas de confiança, sendo que
nesse caso o cliente/paciente tem maior confiança no advogado, porquanto sequer
conhece o perito, ao passo que o advogado já leu seus exames, ouviu seu relato
no escritório e conhece toda a situação, a ponto de ser capaz de redigir uma
peça processual inteira defendendo seus direitos.
Além
de tudo, é imprescindível ressaltar que as informações e o sigilo pertencem ao
paciente e não ao médico, portanto se o periciando não se incomoda com a
presença do advogado, não cabe ao médico restringi-la.
Até
porque o art. 24 do Código de Ética Médica assim dispõe:
É vedado ao
médico: Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir
livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade
para limitá-lo.
O
próprio Conselho Federal de Medicina
já se pronunciou no sentido de ser direito do advogado a presença em perícia
médica judicial:
Pelas razões
jurídicas acima expendidas, entendemos que o
advogado, no exercício de sua profissão, tem direito assegurado pelo
art. 7º, inc. I, III e VI, letras “c” e “d” do EOAB, Lei 8.906/94 de fazer-se acompanhar de seu cliente,
quando solicitado, nos exames periciais em âmbito judicial ou administrativo.
Todavia, a atuação do advogado, nestes casos, limitar-se-á a dar conforto e
segurança jurídica ao periciando com sua presença, não podendo interferir no
ato médico pericial a ser realizado, que é de competência exclusiva do médico
perito designado para o mister. [...] (Nota Técnica 044/2012).
Logo, a presença do
advogado na sala em que se realiza a perícia, desde que não configure indevida
interferência no ato médico, é perfeitamente legal, consiste em prerrogativa
profissional do advogado e não configura quebra de sigilo, mas mera
transferência deste.
03
– Ato médico e constrangimento do perito
A Lei 12.842/13 não
confere ao médico o exercício do poder de polícia dentro da sala de perícias e
muito menos proíbe a presença do advogado no ato,
mormente quando este não interfere no ato privativo que está sendo praticado
pelo médico.
Nos
termos do art. 133 da CF, o advogado é essencial à administração da justiça e
qualquer interpretação de lei federal que contrarie esta disposição é
inconstitucional. Afinal de contas, o advogado está lá para contribuir e não
para dificultar o trabalho do perito.
Se a presença do advogado
provocasse constrangimento, então nenhuma decisão judicial proferida em banca
seria válida, visto que os juízes estariam constrangidos
pela presença de dois ou mais advogados.
Tal
premissa é não apenas axiologicamente oposta ao que determina a Constituição,
mas sobretudo fundada em uma noção deturpada do exercício da advocacia, segundo
a qual o advogado é inimigo da justiça ou só serve para tumultuar os feitos.
Pensar
que a mera presença do advogado constrange um assistente da justiça (art. 156
do Código de Processo Civil) é o mesmo que descredibilizar toda a classe como
se fossem malfeitores.
[1]
COLTRI, Fernanda Mara
Cordeiro; GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Perícia médica: o direito do
paciente em ser acompanhado por advogado. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XX,
n. 164, set 2017. Disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19456&revista_caderno=20>.
Acesso em jan 2018
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