terça-feira, 7 de agosto de 2018

Às vezes não dá para esperar os reforços, porque você é o reforço


Olá, JusAmiguinhos! Não tenho escrito muito porque estou em um projeto de mudança de área dentro da advocacia então tenho investido bastante tempo estudando o assunto.

Mas hoje quero falar um pouco sobre um caso de violação de prerrogativas da advocacia.




A perícia que não pude acompanhar...


Eu estava representando um cliente perante o Juizado Especial Federal da Seção Judiciária de São Luís – MA em um caso de aposentadoria por invalidez.

Marcada a perícia, eu fui junto com o cliente para poder acompanhá-lo, mas qual não foi a minha surpresa quando chegado o momento de entrar na sala fui barrado pela perita.

Ela invocou a Portaria n. 006, 23 de julho de 2013 (ao lado) que basicamente confere ao perito médico a discricionariedade de dizer se o advogado pode ou não entrar e permanecer na sala no momento da perícia.

Chamei os reforços, mas...

Apesar de insistir informando que não interferiria na perícia, ainda assim fui impedido de entrar.

Confesso que isso me tirou do sério, mas provocar uma confusão ali apenas retardaria o andamento do processo e meu interesse principal sempre é o do cliente, então preferi me conter.

Chamei a comissão de prerrogativas da OAB-MA via WhatsApp, mas apesar da promessa de que medidas seriam tomadas nada foi feito.

Percebi naquele momento que simplesmente não havia advogados na sala de espera da perícia e que a advocacia previdenciarista maranhense ao que parece aceitou a imposição sem questionar.

Resolvi tomar as minhas providências!

No Brasil, infelizmente há um paternalismo latente que nos torna dependentes de entidades de classe, do Estado, de sindicatos e o povo em vez de tomar as providências para corrigir as ilegalidades que percebe prefere esperar que alguém faça alguma coisa.

Talvez o maior problema do nosso país hoje seja: queremos que alguém faça alguma coisa, mas não queremos gastar tempo e dinheiro para ser esse alguém.

Eu decidi ser esse alguém!

Entrei com um mandado de segurança no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Proc. 1001324-13.2018.4.01.0000) e consegui uma liminar do Desembargador Kassio Marques me autorizando a acompanhar meus clientes em perícias e reconhecendo ao menos em caráter liminar que a Portaria pode violar as prerrogativas do advogado.

O mandado de segurança ainda não foi julgado em definitivo, mas podem ter certeza de que eu sustentarei oralmente perante o tribunal para assegurar as garantias que são de toda a classe.

A princípio o meu problema foi resolvido e eu poderia ter parado por aqui, mas pensei em todas as outras partes muitas vezes humildes e como devem ficar assustadas ao chegar ali.... Também pensei nos outros advogados que podem querer oferecer um serviço de máxima qualidade acompanhando os seus clientes nas perícias e que hoje não podem fazê-lo.

Por isso apresentei um Procedimento de Controle Administrativo (0001897-63.2018.2.00.0000) junto ao CNJ para derrubar a Portaria em caráter geral, mas a relatora entendeu que não poderia dar provimento administrativamente a questão já judicializada para que não haja decisões contraditórias.

Acontece que se trata de uma questão muito mais ampla que os interesses particulares meus e do meu cliente, atingindo toda a advocacia maranhense e por isso eu apresentei recurso ao plenário sob o fundamento de que antes de decidir a OAB-MA deveria ser consultada e que o CNJ ainda que de ofício deveria corrigir a ilegalidade do ato antes que ele se consolide pelo decurso do tempo.

As lições que aprendi e quero passar são: 01 – Não espere que alguém faça por você o que você pode fazer; 02 – Não resolva só os seus problemas, lute por uma sociedade melhor pra todos.

Caso alguém tenha ficado curioso e tenha paciência para ler os fundamentos do mandado de segurança, eu os copiei aqui embaixo, preservando as informações pessoais do meu cliente.

01 – Da prerrogativa de participar dos atos processuais

As prerrogativas dos advogados são direitos inerentes ao exercício profissional, cuja função é assegurar a defesa adequada do cidadão.

O advogado tem o direito de exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional (art. 7º, I, da Lei 8.906/94), o que por certo inclui a sala em que se realizam as perícias judiciais.

A qualquer momento durante procedimento civil ou penal é direito do advogado comunicar-se com seu cliente, não surtindo efeitos para ele qualquer restrição, tal como a incomunicabilidade (art. 7º, III, da Lei 8.906/94)

O advogado também possui ingresso livre em salas de tribunais, gabinetes, cartórios, secretarias, ofícios de justiça, edifícios onde funcione repartição judicial e por aí vai (art. 7º, III, da Lei 8.906/94).

Ora, pela teoria dos poderes implícitos, quem pode o mais, pode o menos, e se é prerrogativa do advogado ir até além dos cancelos, até mesmo na parte reservada aos juízes, certamente poderá ingressar e permanecer na sala de perícias.

Negar o ingresso ou permanência constitui violação de prerrogativa profissional do advogado[1], sobretudo se isto for feito com base em portaria que é ato infralegal e que, portanto, não pode inovar na ordem jurídica.

A autoridade coatora no caso presente é o atual coordenador do Juizado Especial Federal, pois embora não tenha sido o autor da portaria é quem tem poder para revogá-la.

A perita é, portanto, mera agente em um dos casos que ensejou o presente mandado de segurança.

Há de se ressaltar que a violação de prerrogativa profissional na presença de clientes consiste em tratamento incompatível com a dignidade da advocacia (art. 6º, parágrafo-único, da Lei 8.906/94) que mancha a honra objetiva do impetrante.

02 – Da ausência de violação de sigilo

Em primeiro lugar, cabe dizer que em qualquer ato processual a publicidade é regra e o sigilo é exceção (art. 5º, LV, Constituição Federal) e que é máxima da hermenêutica jurídica que aquilo que é exceção se interpreta restritivamente.

É exatamente por isso que apenas nos procedimentos criminais em que houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências é que o delegado ou promotor pode restringir o acesso do advogado a determinados documentos (art. 7º, XXI, §11 da Lei 8.906/94).

Assim, não é possível criar via portaria e fora das hipóteses legais situação em que o advogado não tenha acesso ou participação em ato processual.

Como se depreende da interpretação do art. 7º, XXI, §§1º e 10, da Lei 8.906/94 c/c art. 107, I, do Código de Processo Civil, nos processos cíveis ainda que sob segredo de justiça não existe sigilo para o advogado que esteja devidamente habilitado nos autos, sobretudo se ele possui procuração com poderes especiais.

Em segundo lugar, é bem verdade que o art. 73 do Código de Ética Médica assim dispõe:
É vedado ao médico: Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Contudo, o cliente não está se submetendo a uma consulta no consultório do médico, mas a uma perícia judicial, ou seja, revelar esses fatos é ato inerente à esta atividade por dever legal (art. 156 e 157 do Código de Processo Civil).
É importante ressaltar que o advogado também possui o dever ético e legal de manter sigilo, nos termos do art. 33 e 34, VII, da Lei 8.906/94 e do art. 35 do Código de Ética da OAB.
Ora, se o Judiciário já entendeu que inexiste quebra de sigilo quando as informações bancárias são repassadas de um órgão para outro que possui dever de sigilo, guardadas as proporções, também não há qualquer lesão à intimidade ou quebra de sigilo das informações do cliente/paciente (RE 601314/SP e ADIs 2859/DF, 2390/DF, 2386/DF e 2397/DF)
As relações médico-paciente e advogado-cliente são ambas de confiança, sendo que nesse caso o cliente/paciente tem maior confiança no advogado, porquanto sequer conhece o perito, ao passo que o advogado já leu seus exames, ouviu seu relato no escritório e conhece toda a situação, a ponto de ser capaz de redigir uma peça processual inteira defendendo seus direitos.
Além de tudo, é imprescindível ressaltar que as informações e o sigilo pertencem ao paciente e não ao médico, portanto se o periciando não se incomoda com a presença do advogado, não cabe ao médico restringi-la.
Até porque o art. 24 do Código de Ética Médica assim dispõe:
É vedado ao médico: Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
O próprio Conselho Federal de Medicina já se pronunciou no sentido de ser direito do advogado a presença em perícia médica judicial:
Pelas razões jurídicas acima expendidas, entendemos que o advogado, no exercício de sua profissão, tem direito assegurado pelo art. 7º, inc. I, III e VI, letras “c” e “d” do EOAB, Lei 8.906/94 de fazer-se acompanhar de seu cliente, quando solicitado, nos exames periciais em âmbito judicial ou administrativo. Todavia, a atuação do advogado, nestes casos, limitar-se-á a dar conforto e segurança jurídica ao periciando com sua presença, não podendo interferir no ato médico pericial a ser realizado, que é de competência exclusiva do médico perito designado para o mister. [...] (Nota Técnica 044/2012).
Logo, a presença do advogado na sala em que se realiza a perícia, desde que não configure indevida interferência no ato médico, é perfeitamente legal, consiste em prerrogativa profissional do advogado e não configura quebra de sigilo, mas mera transferência deste.

03 – Ato médico e constrangimento do perito

A Lei 12.842/13 não confere ao médico o exercício do poder de polícia dentro da sala de perícias e muito menos proíbe a presença do advogado no ato, mormente quando este não interfere no ato privativo que está sendo praticado pelo médico.

Nos termos do art. 133 da CF, o advogado é essencial à administração da justiça e qualquer interpretação de lei federal que contrarie esta disposição é inconstitucional. Afinal de contas, o advogado está lá para contribuir e não para dificultar o trabalho do perito.

Se a presença do advogado provocasse constrangimento, então nenhuma decisão judicial proferida em banca seria válida, visto que os juízes estariam constrangidos pela presença de dois ou mais advogados.

Tal premissa é não apenas axiologicamente oposta ao que determina a Constituição, mas sobretudo fundada em uma noção deturpada do exercício da advocacia, segundo a qual o advogado é inimigo da justiça ou só serve para tumultuar os feitos.

Pensar que a mera presença do advogado constrange um assistente da justiça (art. 156 do Código de Processo Civil) é o mesmo que descredibilizar toda a classe como se fossem malfeitores.



[1] COLTRI, Fernanda Mara Cordeiro; GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Perícia médica: o direito do paciente em ser acompanhado por advogado. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XX, n. 164, set 2017. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19456&revista_caderno=20>. Acesso em jan 2018

Nenhum comentário:

Postar um comentário