Olá, JusAmiguinhos! Outro
dia eu estava precisando de material de expediente para o escritório e resolvi
ir de bicicleta a um supermercado próximo da minha casa.
Chegando lá encontrei no
bicicletário uma placa amarela bem grande na qual estava escrito “Não nos
responsabilizamos pelas bicicletas sem cadeado”.
Enquanto eu lia a placa,
chegou um homem e me disse que há alguns meses ele havia deixado uma bicicleta
lá sem cadeado, a qual foi furtada e ele conseguiu que o supermercado o
ressarcisse.
Eu concordei com ele,
afirmando que, de fato, o disposto na placa era ilegal.
Enquanto eu explicava um
senhor que também vinha de bicicleta se aproximou e perguntou: então pra que
serve essa placa?
Depois de encerrada a
conversa eu fui comprar o material, mas fiquei me questionando a respeito
dessas questões jurídicas e resolvi escrever esse post.
Por
que o supermercado é responsável pelos veículos deixados no estacionamento?
O supermercado é
responsável por quaisquer veículos deixados no estacionamento, sejam eles
automóveis, motocicletas ou bicicletas.
Isto porque ao deixar o
veículo no estacionamento o cliente celebra com o supermercado o chamado
contrato de depósito, conforme estabelece o art. 627 do Código Civil:
Art.
627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para
guardar, até que o depositante o reclame.
Por expressa disposição
legal (art. 628 do Código Civil), o contrato de depósito se presume gratuito,
salvo disposição em contrário.
Então a menos que haja
placas ou avisos informando que o estacionamento é pago e indicando o preço,
não poderá haver cobrança.
Dito isso, tem-se que
esse contrato de depósito é um contrato de adesão (art. 54 do Código de Defesa
do Consumidor), porque não é dado ao cliente sentar-se à mesa para discutir
cláusulas com o supermercado, logo o supermercado previamente estabelece as
condições do contrato e o cliente apenas adere ou não.
Em se tratando de
contratos de adesão a lei proíbe que as cláusulas excluam direito que é
inerente ao contrato (art. 424 do Código Civil).
Ora, guardar em segurança
e preservar o bem que é objeto do depósito é exatamente o que caracteriza esse
contrato.
Por isso afirmar que não
se responsabiliza pelas bicicletas que estão sem cadeado é ilegal.
O mesmo ocorre em relação
aos objetos deixados no interior dos veículos, como expliquei em outro post.
O
supermercado não pode alegar a ausência de cadeado para se eximir da
responsabilidade?
Como a relação jurídica
entre o cliente e o supermercado é uma relação de consumo, a única forma de o
supermercado se eximir da responsabilidade seria demonstrar culpa exclusiva de
terceiro (art. 14, §3º, II, do Código de Defesa do Consumidor).
Ao alegar que a responsabilidade
foi do terceiro que furtou a bicicleta e do cliente que a deixou sem cadeado,
na prática o supermercado está invocando a ausência de nexo de causalidade pela
existência de caso fortuito ou força maior.
Explicando: para que haja
o dever de indenizar nas relações de consumo é necessário que haja três
elementos: conduta, nexo de causalidade e prejuízo.
O prejuízo é o dano, no
caso um dano material correspondente ao valor da bicicleta que foi perdida.
A conduta é uma ação ou
omissão praticada pelo supermercado, que neste caso poderia ser a ausência de
vigia, câmeras ou controle da circulação de pessoas.
O nexo de causalidade é a
relação lógica entre a conduta e o prejuízo, demonstrando que a pessoa que se
aciona na Justiça é a responsável pelo dano, ou seja, aquela conduta causou o
dano.
Nesse caso, o
supermercado quer fazer crer que não tem responsabilidade porque ocorreu fato
imprevisível (caso fortuito) ou inevitável (força maior), o que afastaria o
dever de indenizar (art. 393 do Código Civil).
Entretanto, os tribunais
e os estudiosos do Direito fazem uma distinção entre o fortuito interno e o
fortuito externo.
O fortuito interno é
aquele que ocorre na elaboração do produto ou na execução do serviço e
exatamente por isso está incluso no risco da atividade não afastando o dever de
indenizar, enquanto o externo é alheio à elaboração do produto ou execução do
serviço e por isso exclui a responsabilidade.
O furto nas dependências
do estacionamento do supermercado é considerado fortuito interno e por isso
enseja reparação, conforme estabelece a Súmula 130 do Superior Tribunal de
Justiça:
Súmula
130 - A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de
veículo ocorridos em seu estacionamento.
Então
a ausência do cadeado não tem qualquer relevância?
Tem sim.
Veja, não se exclui a
responsabilidade no caso em análise porque a legislação só permitiria essa
exclusão em caso de culpa exclusiva de terceiro ou da vítima e como se observou,
em se tratando de fortuito interno, essa culpa jamais será exclusiva, pois se
insere no risco da atividade empresarial.
Contudo, no caso em que o
cliente usando de imprudência ou negligência deixa a bicicleta sem cadeado
tem-se a chamada culpa concorrente, na qual tanto o cliente quanto a vítima são
corresponsáveis pelo prejuízo.
Como resultado, o juiz poderá
reduzir proporcionalmente a indenização, nos termos do art. 945 do Código Civil,
desde que reste comprovada a culpa do cliente.
Solução semelhante se
daria no caso em que o cliente esquece o carro aberto, por exemplo.
Então,
pra que serve a placa?
É evidente que é uma
tentativa do supermercado de se furtar de seu dever de ressarcir os eventuais
danos apelando para a falta de informação do cidadão comum.
Por isso JusAmiguinhos
escrevi esse texto.
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