Hoje, vou começar
contando uma história.
Há cerca de 2000 anos
atrás havia um homem com pretensões pacifistas que pregava o amor, a justiça, a
abnegação e o perdão.
Contudo, um grupo de
opositores ligados às elites político-religiosas com medo de perder suas
posições e regalias criaram um discurso de oposição, forjaram provas, mentiram a
respeito dele, induziram às massas e conduziram um julgamento absolutamente
ilegal.
Inquirido pelo julgador
romano não foi achada culpa nele diante das leis de Roma, mas posto diante da
turba enfurecida pediram sua morte por crucificação.
No fim o julgador lavou
as mãos e um inocente recebeu a pena capital, além de toda a humilhação e
sofrimento que lhe era própria.
Por
que contei essa história?
Se você é cristão crê que
depois de 3 dias Ele ressuscitou, mas se você não é a história apresenta
evidências do relato até esse ponto.
Contei a história de
Jesus porque para mim é o caso mais paradigmático do que ocorre quando um
julgador em vez de se adstringir à legalidade se deixa levar pelos clamores da
multidão enfurecida.
É ainda mais emblemático
porque a despeito do Direito posto não lhe foram asseguradas as garantias
previstas (contraditório, ampla defesa, um advogado, julgamento diurno, vedação
do julgamento nos dias que antecedem a Páscoa, denúncia formal, possibilidade
de apelação).
Se você não quiser ficar
com o exemplo de Jesus tome os exemplos das bruxas queimadas no tempo da
inquisição ou a prisão de Mahatma Gandhi.
Os casos se multiplicam
não apenas entre os famosos, mas principalmente entre os desconhecidos.
Desconhecidos estes que
são apenas números em estatísticas ou nem isso e que espalhados pelos rincões
deste país são diuturnamente encarcerados ou mortos a despeito das leis e da
Constituição.
Onde reina a anomia o que
impera não é a lei, mas a vontade dos poucos que se encontram em eminência.
Os togados ou
engravatados que se acham a lei e a justiça encarnadas ou os populares armados
de pedras e paus que se põem como acusadores, juízes e carrascos.
Hoje, por trás das telas
de computadores talvez em roupas de dormir ou sei lá ainda há muitos que se
consideram a lei e a justiça.
A turba enfurecida já não
precisa estar presente com as pedras nas mãos, pois a tecnologia lhes permite
atirá-las do conforto de seus lares.
No tribunal da mídia e
das redes sociais não existe contraditório, não existe legalidade e nem
recurso, mas sim sede de sangue e condenação sumária.
O farisaísmo virtual
falseia, cerceia, julga e condena por convicção sem provas, ilações se tornam a
base dos juízos e os gritos de guerra retroalimentam a massa descontrolada.
O ódio se destila em
vídeos, textos e comentários e a razão, e a sobriedade se perdem em meio à
balbúrdia.
No fim, apenas uma
conclusão é certa: a voz do povo nem sempre é a voz de Deus.
No ápice da sensação de
ultraje, inexiste isenção para promover justiça e tudo o que se deseja é
vingança.
Themis
e Nêmesis são irmãs, mas são muito diferentes
Como na mitologia
greco-romana Themis, a deusa da justiça, é irmã de Nêmesis, a deusa da vingança,
na prática ambas se parecem e têm em comum a espada que carregam.
Porém, Themis possui uma
balança e Nêmesis uma ampulheta, porque a primeira sopesa e calcula a justa
retribuição, enquanto a segunda apenas espera o momento em que derramará sua
ira.
Assim como a Rainha de
Copas em Alice no País das Maravilhas quem está cego de ódio apenas deseja que
cortem as cabeças.
Não importa o motivo, não
importa a infração, não importam as leis, mas sim quem tem a força, quem tem
poder, quem tem as armas, quem veste as fardas, quem usa as togas, quem manuseia
a caneta.
Que cortem as cabeças!
Que morram todos!
Todos querem ser oráculos
da justiça, porque se julgam dignos de sê-lo.
O
Death Note e a síndrome de Kira
Imagino como seria se
Death Notes caíssem na terra e de fato fosse dado aos homens o poder de decidir
sobre a vida e a morte uns dos outros.
Quantos não usariam o
poder para matar seus inimigos? Quantos o usariam para retirar seus
competidores e fazer sucesso nos negócios? Quantos se colocariam na posição de
julgar quem poderia ser extirpado do mundo para que ele se tornasse um lugar
melhor?
É... Muitos gostariam de
ser Kira e se intitular o deus do novo mundo, porque na raiz do farisaísmo, da
ira da Rainha de Copas e da ampulheta de Nêmesis está o anseio de apoteose.
A vontade do homem de ser
Deus e de ditar todas as coisas segundo a sua vontade e seu parâmetro de
justiça.
Tal disposição só revela o
que há de mais podre no ser humano: a hipocrisia.
Condenam-se assassinos
por matarem sumariamente e matamos sumariamente como punição.
Bingo! Nos tornamos o que
queremos extinguir.
Almejamos punir quem
viola a lei e o fazemos violando a lei, de modo que nos tornamos tal e qual ou
às vezes piores do que os párias que apontamos e desejamos levar à forca.
Visões de justiça existem
várias e em uma sociedade secular e plural apenas a conjunção dessas
perspectivas a gerar um espaço comum de intersecção pode promover uma solução democrática
para quem insiste em violar o pacto social.
Não somos deuses, ninguém
pode impor sua vontade, senão pela argumentação política e pelo consenso.
Se assim não for então devemos
nos esquecer da civilidade, do Estado e voltar ao estado de natureza, cada um por
si, armados a lutar pela vida ou pela morte.
Mas
se tal crime acontecesse com você, com sua mãe ou com sua irmã?
Proposições como essa
apenas demonstram que nessa situação eu não estaria apto a julgar, porque sem
imparcialidade não há justiça.
Quem tem interesse na
causa não pode julgá-la e é pela equidistância que se analisam os discursos
argumentativos.
Toda história tem mais de
um lado e quem se pretende justo não pode partir de presunções ou ilações de
culpabilidade, sobretudo dos discursos monolíticos e tendenciosos da mídia.
Não esqueçam que a mídia
não tem amigos, a não ser seu lucro e seus próprios interesses.
Quando eu erro o motivo
interessa, mas quando o outro erra não interessa, porque o inferno são os
outros, mas nós queremos ser deuses, perfeitos, superiores.
Ilusão! O homem é o lobo
do homem e cada um segue seus interesses.
Nesse caminho de autossatisfação
e hedonismo, justiça, moral, certo e errado se tornam relatividades que se
negociam conforme o valor que esteja posto na mesa.
Como já advertidos pelas
mesmas Escrituras, a ira do homem não opera a justiça de Deus.
O
Direito não é um fim em si mesmo, mas sua preservação é essencial para a
democracia
Para mim parece bem claro
que o Direito não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para promover
pacificação social, ordem e em última instância justiça.
Contudo, se optamos por
fugir da selvageria e nos organizar democraticamente dividindo o poder de modo equitativo
e tomando outros seres humanos como iguais a nós, então devemos respeito ao
maior produto da democracia: as leis.
No campo político os
diversos discursos e interesses entram em confronto e ao fim o maior constructo
democrático ganha vida: o texto da lei.
Textos podem ser vagos,
ambíguos e até contraditórios, mas há limites para o que se chama
interpretação.
Os limites semânticos
devem ser respeitados ou já não haverá mais democracia, senão pretensão de
apoteose em uma tentativa egoística de fazer valer sua própria visão de
justiça.
Como Kira escreve nomes
em um caderno, hoje muitos Kiras de toga têm reescrito a lei com canetas
ilegítimas e tantos outros Kiras com suas canetas virtuais condenam sem
misericórdia antes mesmo do julgamento.
Se não tem regra prévia,
como então jogar o jogo?
Todos os jogadores entram
em campo sabendo as regras do impedimento.
É possível que haja
divergência sobre se houve ou não impedimento conforme o ângulo de visão do
juiz ou dos assistentes, mas a regra é única, está posta e deve ser respeitada.
Se a regra passa a ser questionada
o próprio jogo perde sentido, na medida que um depende do outro.
Se a regra não é boa, que
se mude a regra, mas não no meio do jogo.
É evidente que existem
leis boas e ruins, justas e injustas.
O Direito certamente
comete excessos e às vezes fica em falta ante as expectativas da sociedade, mas
não se pode corrigi-lo no meio do jogo por meio de juízos morais de ordem
individual.
Entendam! Não se trata de
apertar um botão enquanto inocentes se contorcem em uma câmara de gás, mas sim
de não apertar um botão e evitar que inocentes se contorçam junto com os
culpados em uma câmara de gás.
Se não distinguirmos
inocentes e culpados pela legalidade nos tornamos igualmente culpados.
E quem somos nós para
decidirmos sozinhos que mesmo os culpados merecem a câmara de gás? Como saber
se a exceção não se tornará a regra? Como saber se não seremos nós a próximas
vítimas de nossa ânsia punitiva?
Basta uma acusação de
bruxaria! Basta 30 moedas e um beijo e um inocente poderá ir para o madeiro!
Basta um discurso impopular e um pacifista pode amargar décadas em uma prisão
imunda!
A
mentira da ditadura e os falsos messias
A ditadura atrai os
incautos, até que os engole e os destrói em sua falsa sensação de promoção da virtude.
Esquecem, porém, que a
imperfeição está nos homens e não na democracia em si, de modo que os males que
outrora os revoltavam e os faziam clamar por sangue seguirá de modo endêmico, mas
velado no novo sistema que é igualmente pútrido.
Em um contexto de falta
de alternativas como a atual crise política, a turba apaixonada anseia pelo
próximo messias que oferecerá a panaceia para todos os males, seja ele o pai
dos pobres, o pai dos empresários ou o justiceiro que punirá os vagabundos.
Ilusão! Mais ilusão! O
verdadeiro Messias já veio e Ele pregava justa retribuição temperada pela misericórdia
e, sobretudo, amor, redenção e mudança de vida.
Tudo o que muitos dos que
se dizem seus seguidores negam diuturnamente com seu grito de crucificação.
Ele não tolerava opressão
do fraco pelas elites e nem manipulação do pobre pelos espertos.
Que nossas paixões e emoções
não nos ceguem a ponto de nos tornarmos defensores inveterados de homens que se
pretendem ser os deuses do novo mundo.
Obtusos são os que dia a
dia tentam justificar o injustificável na tentativa de legitimar os discursos
de seus falsos cristos.
É triste ver jovens
lambendo o chão que alguém pisa em uma sanha quase religiosa por ideologias
irrefletidas baseadas no ódio e no egoísmo.
Pensemos! Pensemos, Brasileiros!
Devemos voltar a discutir
ideias em vez de levantar gritos de guerra.
Ou voltamos a ocupar a
Ágora e devolvemos o debate democrático ao Parlamento e à Sociedade Civil ou
veremos em poucos anos o resto de democracia que nos resta ser solapada pela
empáfia e pela vontade de poder.
Achei muito importante sua exposição quanto a este assunto, fazendo um parâmetro com Jesus, e me fez mergulhar numa profunda reflexão sobre a justiça e democracia em nosso país e em nossas atitudes.
ResponderExcluirAdorei seu texto. Na minha profissão vejo muitos buscarem a justiça e resultados através de meios duvidosos. Sou cristão tbm, é só gostaria de fazer uma ressalva. As nossas leis não são feitas para punir ninguém que tenha dinheiro. O crime contra o erário compensa. Isso gera um inconformismo naqueles que tem um pingo de instrução
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