É JusAmiguinhos. O título
do post é pesado, mas o assunto
realmente é sério e por despertar o clamor popular tenho visto muitas opiniões
se multiplicarem nas redes sociais sobre o assunto.
Para quem não sabe do que
estou falando recomendo que primeiro leia essa matéria.
Eu escolhi esse tema,
porque vi muitas pessoas criticando abertamente o juiz que mandou soltar o
homem e quero levá-los a refletir sobre a questão para que vocês pensem melhor
e me digam a quem deve ser direcionada a crítica.
Peço que não se assustem
com as palavras complicadas, pois eu farei questão de explicá-las.
Então, por favor, leiam
até o fim, porque é do interesse de todos.
Deontologia
x Axiologia
Antes de qualquer coisa,
devemos nos perguntar o que esperamos do Judiciário? Quando vou a juízo que
resposta eu espero ter?
A deontologia é uma
teoria da filosofia moral que define as ações como obrigatórias, proibidas ou
permitidas e a axiologia é um ramo da filosofia que tem por objetos os valores,
tentando dispô-los de modo hierárquico a fim de definir o que é justo ou
injusto, bom ou ruim, certo ou errado.
Eu pergunto: será que
esperamos do juiz uma manifestação deontológica ou axiológica?
Em minha humilde opinião
é bem óbvio que queremos uma decisão que apresente um juízo deontológico,
afinal o que queremos é que o magistrado com base no ordenamento jurídico
responda se as condutas em questão são obrigatórias, proibidas ou permitidas.
O juízo não pode ser
axiológico, porque digamos que por azar o caso caia nas mãos de um juiz igualmente
tarado. Qual seria o resultado?
O que queremos saber ao
acionar o Judiciário não é o que o magistrado entende por justo e injusto, por
certo ou errado, por bom ou ruim.
Há milhares de juízes em
todo o país e cada um com um sistema e hierarquia de valores diferentes, então
como poderíamos aceitar que o Judiciário se comportasse dessa maneira? Qual
segurança jurídica e previsibilidade teríamos?
Isto posto, temos que
entender que ainda que o juiz reprove a conduta do homem até com a última
centelha de força de sua alma, seu papel não é dar uma sentença que expresse um
juízo axiológico, mas sim um juízo deontológico.
Os
juízos deontológicos são indispensáveis para a democracia
A democracia é o governo
do povo, ou seja, o poder emana do povo que o exerce por meio de seus
representantes eleitos.
Bem ou mal somos
representados pelas pessoas que nós escolhemos e as leis que nos regem são
produzidas pelas pessoas que elegemos, de forma que ao fim e ao cabo somos nós
mesmos, ainda que de modo indireto, os legisladores.
É isso que impõe
legitimidade às normas, o fato de que nós somos os responsáveis por elas ou ao
menos a maioria de nós.
O Judiciário é por isso o
Poder da República que apresenta o menor grau de representatividade, visto que
seus membros não são eleitos.
Os magistrados de 1º grau
são elevados a essa posição via concurso público e os desembargadores e
ministros de tribunais assumem o cargo via escolha indireta, o chamado quinto
constitucional.
Onde está então a
legitimidade das decisões judiciais?
A legitimidade está na
fundamentação, ou seja, na demonstração racional, lógica e técnica de que
determinada decisão judicial está em conformidade com as leis (previamente
legitimadas, conforme dito acima).
Exatamente por isso é que
um juiz ao decidir não pode dizer o que pensa, o que acha ou decidir conforme
sua consciência.
Seu papel institucional,
que lhe impõe responsabilidade política e jurídica, é de dar provimentos conforme
o ordenamento jurídico, dizendo se determinada conduta é obrigatória, proibida
ou permitida e explicitando suas consequências, as quais também devem estar anteriormente
previstas.
O
que o homem fez foi estupro?
A resposta é não!
O Código Penal estabelece:
Art.
213. Constranger alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que
com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena
- reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos
Quando o juiz disse que
não houve constrangimento ele não o disse no sentido comum, afinal qualquer um
que está lendo esse texto ficaria extremamente constrangido se um estranho
ejaculasse em você.
Veja, o tipo penal diz: “Constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça”.
Não houve
constrangimento, porque o constrangimento que o tipo prevê é qualificado pela
violência ou grave ameaça.
Nenhuma arma foi
apontada, nenhuma ameaça foi feita, não houve conjunção carnal, a vítima não
foi força a praticar e nem a permitir que se pratique ato libidinoso.
O homem praticou o ato
libidinoso em si mesmo e com isso importunou outra pessoa de modo ofensivo ao
pudor, conforme descreve a Lei das Contravenções Penais:
Art.
61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo
ofensivo ao pudor:
Pena
– multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Aí você pode me dizer:
ah, mas essa pena é muito pequena, ele nem será preso ou isso é injusto ou não
vai dar em nada...
E de quem é a culpa? Do
juiz que apenas cumpriu o seu dever?
O juízo deontológico é
claro: a conduta é proibida de acordo com o art. 61 da Lei de Contravenções
Penais e as consequências são aquelas previstas em lei.
Digo a todos e
principalmente às feministas de plantão: eu não estou negando que ainda há
muito machismo, nem dizendo que é certo o que esse homem fez, ou que a lei é a
ideal, mas sim que o juiz apenas agiu em conformidade com o ordenamento.
Ele é juiz e não
justiceiro.
A crítica de muitos de
vocês vai na direção errada porque não compete ao juiz fazer leis, mas
cumpri-las e se a reprovação legal da conduta não é o bastante o problema está
em quem faz as leis.
Em última instância o
problema está em quem elege as pessoas que fazem as leis, ou seja, parte da
culpa pela injustiça também é sua.
E
por qual motivo o título diz que a Moral estuprou o Direito?
Enquanto o Legislativo e
o Executivo prosseguem em suas disputas por poder, pagamentos de propina,
esquemas com empreiteiras e negociação de cargos, as questões mais delicadas do
país seguem não resolvidas.
Alguém tem que resolver e
por coincidência o Judiciário é o único Poder da República que tem a obrigação
de sempre dar uma resposta.
Daí tudo acaba lá:
células tronco, fetos anencefálicos, aborto, casamento gay e por aí vai.
E as pessoas seguem
acreditando que nos homens de toga está a panaceia para resolver os problemas
do país.
Infelizmente, todo esse
contexto inflou o Judiciário que há muito tempo vem excedendo a sua função
constitucional e hoje de modo aberto já produz leis, riscando e muitas vezes
rasgando a própria Constituição a despeito de dispositivos literais do texto
original de 1988.
Importando de modo equivocado
diversas teorias europeias e americanas o Direito Brasileiro ficou uma salada
mista de incoerências e gera a loteria que hoje vemos no Judiciário.
Não tem previsibilidade,
não tem segurança jurídica e nem mesmo o Supremo Tribunal Federal mantém
coerência com as próprias decisões.
Já não se decide pelo que
diz a lei, mas pelo que se acha que é, pelos anseios da sociedade, pela pressão
da mídia.
Talvez você revoltado com
a notícia tenha pensado, esse cara deve ser condenado por estupro, isso seria justo.
Tá, mas justo pra quem? O
que é justiça? Qual seria a pena ideal pra quem faz isso? E os outros que não acham
justas as suas respostas?
A Moral, os conceitos de
justo e de injusto, de certo e de errado, de bom e ruim devem entrar na
produção legislativa.
O lugar de discutir se adoção
por casais homoafetivos é bom pra sociedade ou não é no Congresso, o lugar pra
determinar se a pena deve começar a ser cumprida após decisão de 2º grau é lá.
Porque se não for no
Congresso então já não vivemos uma democracia, mas uma oligarquia de toga.
E uma ditadura judicial é
a pior coisa que existe, pois não há a quem recorrer, como bem pontuou Rui
Barbosa.
Como Lênio Streck vem
bradando repetidamente: se a Moral corrigir o Direito, quem corrige a Moral?
O
Judiciário tem que aprender a dizer não
Por conta desses erros
repetidos do Judiciário que tem se imiscuído no papel constitucional dos outros
poderes as pessoas têm visto o Judiciário como o Paladino da Moral e não como o
Guardião do Direito.
Por isso as pessoas ficam
loucas da vida quando veem um juiz liberar um homem que ejaculou em uma mulher
afirmando que não é estupro porque não houve constrangimento.
Se acostumaram a ver o
Judiciário dizer que algo é certo ou errado, justo ou injusto em vez de decidir
nos termos do ordenamento.
O Judiciário precisa
aprender a dizer não em alguns casos e deixar que o Legislativo faça o seu
papel ou então teremos um superpoder que aos poucos devorará os demais e nossa
democracia ruirá outra vez.
Por
que fiz esse texto?
Escrevi porque muitas
vezes a mídia mais desinforma do que informa e os discursos futebolísticos do
esquerdismo quebra quebra do lulopetismo versus o direitismo mata todo mundo do
bolsonarismo em nada contribuem para a formação de um pensamento crítico,
equilibrado e razoável sobre os problemas do nosso país.
Ou nos dispomos a pensar
e criticar as coisas ou alguém o fará em nosso lugar e seremos obrigados a
engolir.
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