Olá, JusAmiguinhos! Tudo
bem? Em tempos de banheiro unissex, de vagão feminino exclusivo, ejaculação no
BRT, meninos vestindo saias na escola e por aí vai temos que convir que o mundo
está uma loucura e os juristas estão encontrando dificuldades para dar
respostas às diversas situações que se apresentam.
Recentemente um amigo me
enviou no WhatsApp um caso como o descrito no título e perguntou qual seria
minha opinião.
Não sei se a notícia é
verídica, mas a discussão é de extrema importância.
Inicialmente, acho
importante destacar que embora eu seja conservador, o que acaba me pondo à
direita na discussão política, isso não quer dizer em absoluto que o meu
discurso seja contrário aos direitos humanos, em especial pelo fato de que
também sou conservador no plano jurídico, na medida em que busco conservar as
conquistas sociais e democráticas trazidas pela Constituição Federal de 1988.
Dito isso, passo a fazer
uma análise técnica da questão proposta com as seguintes ressalvas: I) Não sou
especialista no assunto, então não tenho a pretensão e nem me julgo capaz de
dar uma solução definitiva e II) Não existem soluções simples para problemas
complexos.
O
que diz o texto da Lei?
Não vejo outro lugar de
onde partir senão do texto da própria Lei Maria da Penha que diz:
Art.
1o Esta Lei cria mecanismos para coibir
e prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra
a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela
República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência
e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Isso significa que a
aplicação desta lei se cinge a dois elementos: o conceito de violência
doméstica e familiar e o conceito de mulher.
Não vou entrar na
discussão sobre a violência doméstica e familiar, pois vou tomá-la como
pressuposto no caso ora discutido.
Isto é, entende-se que
havia uma relação de parentesco ou convivência doméstica entre o agressor e a
vítima.
É bem verdade que ao
editar a Lei Maria da Penha o legislador poderia ter ampliado ainda mais a
proteção da violência contra a mulher em razão do gênero, a qual ocorre não
apenas no âmbito do lar, mas também em diversas outras situações, como no
emprego e na faculdade.
Contudo, o intérprete não
pode descolar o sentido do texto a pretexto de reescrevê-lo conforme suas
preferências sob pena de violar a soberania democrática das leis produzidas,
discutidas e votadas no Parlamento.
Assim mesmo que eu
entenda que seria justo aplicar a lei nessas situações, devo me restringir aos
limites semânticos do Direito posto, sob pena de violar a Separação de Poderes
e romper a ordem constitucional.
O conceito de mulher vai
encontrar uma grande confusão teórica decorrente da cisão da ideia de sexo e
gênero, sendo o primeiro uma pré-determinação biológica e o segundo uma
construção social.
Conservadores cristãos
como eu entendem que o gênero além de uma construção social é também uma
pré-determinação de ordem espiritual, mas isso é irrelevante para a aferição de
sentido do que diz a lei.
Certo é que são esses
dois elementos, o fator biológico e o fator social, que justificam a existência
de uma lei que promove discriminação e em minha compreensão são eles que
definem o que é ser mulher.
Entenda
o que é discriminação positiva
O art. 5º da Constituição
Federal assegura que todos são iguais perante a lei, ou seja, existe uma
igualdade formal perante o ordenamento que exclui privação de direitos por
conta de distinções de qualquer natureza.
Porém a lei não pode
conformar o mundo material, de modo que a igualdade formal juridicamente
garantida não vai fazer com que homens e mulheres sejam materialmente iguais,
ou deficientes e não deficientes, crianças e idosos...
Diante de um quadro de
desigualdade material o ordenamento jurídico precisa se adequar no sentido de
desigualar para igualar, ou seja, identifica-se o grupo vulnerável e se legisla
com o objetivo de conferir uma proteção extra a esse grupo em face dessa
vulnerabilidade.
Isso justifica a
existência de leis como o Estatuto da Criança e do Adolescentes, o Estatuto do
Idoso, a Lei de Cotas e a Lei Maria da Penha.
A Lei Maria da Penha vem
atender essa vulnerabilidade da mulher em relação ao homem que se dá a meu ver
por dois fatores: biológico e social.
Biológico porque não
obstante os organismos masculino e feminino sejam similares via de regra a
compleição física do homem é mais robusta, o que lhe confere maior força,
agilidade, velocidade.
Tanto é que se
convencionou separar a maioria das modalidades esportivas por sexo.
É claro que existem
mulheres mais fortes, resistentes e rápidas que muitos homens, mas a lei como
um mandado de natureza genérica e abstrata visa contemplar a maioria das
situações.
O fator social tem a ver
com as discriminações e vulnerabilidades decorrentes do papel secundário ou
subalterno que socialmente é conferido à mulher, tais como subsalários, jornada
dupla (em casa e na rua), dependência econômica exclusiva do parceiro, dentre
outras.
A meu juízo são esses
dois elementos que justificam a discriminação/discrímen, como diria Celso
Antônio Bandeira de Melo, e é com base neles que se deve decidir pela aplicação
ou não aplicação da Lei Maria da Penha.
Como
fica a questão dos transgêneros?
Essas pessoas mencionadas
no título são transgêneros, ou seja, pessoas que por não sentir identificação
entre seu gênero e seu sexo decidiram promover uma intervenção
cirúrgica/hormonal em seus corpos (além da aparência exterior que é o primeiro
passo).
Eu não saberia dizer no
caso concreto, porém alguns transgêneros não fazem a “transição completa” e
acabam como algo intermediário.
Inclusive é uma pretensão
política deste grupo romper com a noção binária de gênero que hoje ainda vige
em nossa sociedade.
Como conservador cristão,
eu tenho tal pretensão como um grande absurdo por confundir tolerância com
concordância a consubstanciar uma ditadura da minoria, mas isso não vem ao
caso.
Sob o aspecto social o
fato de alguém tornar-se transgênero o retira da noção social que
historicamente se atribui a mulher.
No caso do homem que vira
mulher, a sociedade não o vê como mulher e no caso da mulher que vira homem o
mesmo ocorre.
Independentemente de você
leitor entender que é preconceito ou não essa é uma conclusão fática: o
transgênero sai de um papel social construído a priori (homem ou mulher) e se insere em uma nova categoria que
tem suas próprias questões e vulnerabilidades.
Como ambos se encontram
incluídos nessa mesma categoria e, portanto, são socialmente vulneráveis de
modo equitativo, entendo que o fator social deixa de ser um elemento de
discriminação válido nessa hipótese.
Certo que é que a
despeito das intervenções cirúrgicas o homem continuará com compleição física
masculina, isto é, estatura, força, agilidade e a mulher também.
Por isso, não obstante as
alterações promovidas pela mudança de sexo, o fator biológico permanece
presente.
Assim, entendo que se
aplica a Lei Maria da Penha para proteger a mulher que virou homem contra a
agressão do homem que virou mulher.
O mesmo não ocorreria se
fosse o inverso pela ausência do fator biológico.
Como
fica a questão dos homossexuais?
Em relação às lésbicas, o
fator biológico é irrelevante porque ambas têm o mesmo sexo, mas caso seja
verificada no caso concreto vulnerabilidade social, decorrente do papel ocupado
pela mulher dentro daquela estrutura familiar, seria então possível aplicar a
lei.
No que tange aos gays
(homossexuais masculinos) entendo não ser aplicável a lei, justamente porque o
conceito de mulher leva em consideração os fatores biológico e social, de modo
que ainda que um dos dois julgue ocupar um papel semelhante ao da mulher a
compleição física jamais se amoldará ao que justifica a existência da lei.
Em outras palavras, mesmo
que os homossexuais se vejam como mulheres ou outra definição intermediaria de
gênero a questão biológica é insuperável.
Como
fica a questão dos homens agredidos?
Se é possível levantar
algumas objeções no que diz respeito aos homossexuais e lésbicas, aqui me
parece muito claro não ser possível a aplicação da lei.
Isto porque a Lei Maria da
Penha significa proteção extra e não proteção exclusiva, ou seja, existem leis
que proíbem a agressão de homens e permitem a tomada de medidas semelhantes
tais como o afastamento do lar.
Para isso o homem terá
apenas que se utilizar das vias ordinárias, comparecer à delegacia, registrar
BO por lesão corporal, nos termos do Código Penal ou ajuizar uma ação cível na
Justiça Comum.
Em outras palavras, a
existência da Lei Maria da Penha não desprotege o homem, apenas confere maior
proteção à mulher.
Por isso, negar a
aplicação dessa lei para proteger os homens não caracteriza uma espécie de
discriminação inversa, mas sim a garantia da igualdade material que ela visa
promover no seio da sociedade brasileira.
Por fim, cabe ressaltar
que no caso concreto competirá a cada participante da relação jurídica-judicial
trabalhar no sentido de impedir que a discriminação positiva se torne um
privilégio odioso, na medida em que comece a comprometer a ampla defesa, o
contraditório ou outras garantias constitucionais.
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